Enquanto treinador dos Blues, há cinco anos, Antonio Conte fez algo inesperado: não deu minutos de jogo a nenhum dos jovens da base do Chelsea na Premier League. Sendo assim, Thomas Tuchel foi o único que repetiu essa mesma postura desde então. Em outras palavras, o alemão não usou qualquer jogador em formação em Cobham. durante as 38 rodadas da Premier League 2021/22. Isso, mesmo com o time passando por falta de peças por conta de lesão e covid. Além de que, na última rodada, com o destino definido, os jovens poderiam assumir o protagonismo contra o já rebaixado Watford em Stamford Bridge.
Por outro lado, a temporada das equipes da base também foram movimentadas. Sobretudo para a equipe de desenvolvimento que lutou para se manter na elite. Da mesma forma, a temporada se mostrou atípica por conta dos jogos adiados e lesões de jogadores ao longo da temporada – uma realidade um pouco parecida com a do time de Tuchel.
Enfim, surge a grande questão: o que será da próxima geração? Os Blues são excelentes formadores de talento e, historicamente, conseguiram se aproveitar muito bem de jogadores formados no próprio clube. Inclusive, no elenco atual são muitos os nomes que se desenvolveram em Cobham – com a possibilidade do número aumentar para a próxima temporada. No entanto, as incertezas sobre a possibilidade de fazer parte do elenco da primeira equipe tem levado jogadores a questionar sobre suas chances no clube, de forma que alguns preferem deixar o Chelsea para jogar com regularidade.
Temporada em perspectiva
Depois de três temporadas como treinador da equipe de desenvolvimento, Andy Myers deixará seu cargo para trabalhar junto a jogadores emprestados na próxima temporada. Além da equipe de desenvolvimento, Myers treinou a equipe sub-19, que joga exclusivamente a UEFA Youth League. As outras competições jogadas pelo sub-23, por sua vez, são a Premier League 2 e o EFL Trophy.
Em 2021/22 muitos problemas se apresentaram no caminho. Dadas as condições que o time enfrentou, Myers exaltou o trabalho dos jogadores:
“A temporada foi marcada por sentimentos conflitantes. Porque, lógico, estávamos enfrentando uma batalha contra o rebaixamento. Mas com um grupo tão jovem, eu acho que é pouco observado que conseguimos manter nosso status na PL2”.
“Nós somos um clube que acredita em mandar nossos jogadores para empréstimos. E como poucos jogadores puderam sair em empréstimo, o grupo que tínhamos, sob o ponto de vista da experiência, não era suficiente. Mesmo assim, nossos meninos nunca desistiram e eu não poderia jamais questionar seus esforços. Nós vimos isso nos trancos e barrancos do último jogo [contra o Tottenham] com dois gols tardios para reverter o déficit“, concluiu.
Por outro lado, Myers apontou tudo isso foi essencial para dar oportunidades a jovens recém graduados na Academia do Chelsea. Dessa forma, os Blues foram uma das equipes mais jovens, em média de idade, a disputar as campanhas da categoria.
Logo, o comandante da última temporada destacou que, apesar de os jogadores terem condições de jogo, faltava força para enfrentar adversários mais fortes e experientes:
“Por vezes foi difícil competir com jogadores que eram muito mais velhos e experientes que os nossos. Não é que não merecíamos estar na posição em que estávamos, até porque algumas situações em jogos nos custaram muito. Sejam chances perdidas ou erros individuais em momentos cruciais”.
A pouca experiência não seria um empecilho para estar na equipe de Tuchel?
A resposta a esse questionamento é simples: não.
A formação de jogadores não acontece de uma hora para outra e, lógico, tem etapas a serem seguidas. No caso do Chelsea, por exemplo, elas tendem a seguir um padrão muito bem definido. Em primeiro lugar, o jogador vai subindo pelas categorias de base até a equipe de desenvolvimento – a etapa final antes da integração ao elenco principal.
Contudo, são poucos que fazem a passagem direta base-primeiro time dentro do clube. Em outras palavras, os formados em Cobham tendem a sair em empréstimo para se desenvolver no ritmo do futebol das categorias principais. Nesse sentido, os empréstimos tendem a acontecer para clubes de outras ligas ou para clubes de divisões mais baixas.
Eventualmente há alguns empréstimos para times da Premier League. Mas, como o objetivo é dar minutos de jogo e garantir regularidade nas performances dos jovens, não é qualquer clube ou qualquer jogador que vai para a elite do campeonato inglês. Afinal, a competição por posições nos clubes da primeira divisão tende a ser maior e em um nível mais alto, no qual a experiência tende a ser valorizada – ainda mais em relação a um jogador emprestado por outro clube.
Participação na temporada
Se o que Conte fez há alguns anos passou despercebido por conta do título do Chelsea na Premier League, com Tuchel o mesmo não pode ser dito. Além disso, o alemão enfrentou muitas situações em que o elenco demonstrou carências que, sim, momentaneamente, poderiam ter sido solucionadas com jogadores da base. Ainda assim, o atual treinador dos Blues deu preferência a jogadores com experiência, mas que jogaram fora de posição e que renderam muito menos do que o esperado.
Apesar de não dar oportunidades no campeonato inglês – e mesmo que essa postura possa ser questionada -, é importante notar que o técnico percebe a base. Por vezes, Tuchel é visto em jogos do sub-23 e do sub-18, inclusive estando presente no jogo contra o Tottenham no último dia 8 de maio.
Além disso, ele promoveu a utilização de jovens nas copas nacionais, dando a oportunidade de quatro jogadores fazerem suas estreias na equipe principal: Harvey Vale, Lewis Hall, Xavier Simons e Jude Soonsup-Bell. Desse grupo, apenas Vale apareceu mais de uma vez (foram cinco para ele no total).
Sendo assim, no total, os quatro jogadores somaram 331 minutos entre eles no time comandado por Tuchel que, por sua vez, no total, jogou 63 partidas. A título de comparação, segundo o The Athletic, o Southampton deu 2.222 minutos a adolescentes apenas na Premier League. Ou seja, 2.222 minutos em 38 jogos. É uma diferença considerável mesmo que a situação do Chelsea seja muito diferente da dos Saints.
Copas nacionais como grandes oportunidades
Por mais que a Premier League possa ser muito demandante, a quantidade de minutos em que os jovens figuraram no time principal é muito desproporcional. Ainda mais levando em conta toda a temporada. Sobretudo os jogos de copa nacional em que os Blues enfrentaram, por vezes, times que eram de divisões e força inferiores.
A primeira aparição dos jovens na temporada foi na partida contra o Brentford válida pela EFL Cup. Naquela oportunidade, Vale, Soonsup-Bell e Simons foram titulares e mostraram potencial. Porém, com o jogo empatado em 0-0 e a necessidade de vencer para passar com tranquilidade, o treinador optou por experiência e substituiu os adolescentes. Mesmo assim, o caminho para que isso acontecesse mais vezes parecia estar claro.
Então, Lewis Hall foi titular contra o Chesterfield na FA Cup. O oponente não estava nas quatro principais ligas da Inglaterra e parecia ser a oportunidade perfeita para mesclar experiência e juventude. Bem como poupar jogadores. Porém, Tuchel escalou um time com muitos titulares, vencendo com facilidade.
Hall que atuou os 90 minutos foi o grande destaque da partida. Apesar de sentir a intensidade no final do jogo. Além disso, Vale entrou no fim do jogo enquanto Charlie Webster e Simons, que estavam no banco, não foram utilizados.
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Depois disso, contra o Plymouth na quarta rodada da FA Cup apenas o goleiro Teddy Sharman-Lowe figurou no banco. Naquela ocasião, ficou nítido o desgaste dos jogadores e mais uma vez se tornou evidente que os jovens poderiam ter tido um papel importante naquele momento. Tanto para poupar jogadores como para oxigenar o elenco na dura partida.
Assim, Harvey Vale marcou a aparição final de um jovem da Academia no time de Tuchel ficando no banco nos 90 minutos da partida contra o Norwich em março.
Oportunidade de ouro desperdiçada
No fim da campanha do campeonato inglês, por alguns instantes, o lugar do Chelsea no top 4 pareceu ameaçado. Mas o empate com o Leicester na penúltima rodada sacramentou o clube na terceira posição.
Logo, a expectativa era grande de que jogadores da base figurassem na rodada final. Em primeiro lugar pelos momentos que viviam em suas respectivas categorias. Mas também pelo que aqueles que tiveram oportunidade antes apresentaram. Além de que seria a oportunidade perfeita para permitir que os jovens atuassem no grande palco juntamente com alguns nomes experientes – alguns deles fazendo suas despedidas.
Em suma, parecia ser uma oportunidade perfeita. Assim como poderia ter um grande simbolismo com um novo ciclo começando. Entretanto, mais uma vez, Tuchel optou por usar jogadores que, claramente, não terão sequência no clube (pelo menos não parecem estar nos planos do treinador).
Sim, é verdade que a equipe de desenvolvimento batalhou na parte debaixo da tabela e teve que se esforçar muito para assegurar-se na primeira divisão. E isso pode ter afetado as percepções do alemão para a temporada. Contudo, a temporada da Premier League 2 terminou algumas semanas antes que a da Premier League. Desse modo, caso fosse de interesse do treinador, alguns dos adolescentes poderiam ter treinado junto a equipe principal e figurado no banco, pelo menos, nas três últimas partidas dos Blues nas competições.
Por que isso é relevante?
Se a história nos mostra uma coisa é que, em consideráveis casos, o Chelsea deixou escapar jovens talentos que partiram para outros clubes na Premier League e, hoje, enfrentam o time em que fizeram sua formação. Mais ainda, que brilham na liga e nas demais competições que jogam.
Na janela de verão da última temporada, Marc Guéhi, Tammy Abraham e Fikayo Tomori deixaram o clube. Todos que perderam seu espaço no time principal, mesmo entregando com qualidade quando demandados. Tomori perdeu espaço repentinamente sob o comando de Lampard e, a princípio saiu em empréstimo ao Milan – que tinha opção de compra e não deixou a oportunidade passar. Abraham começou a ser deixado de lado por Tuchel e com a chegada de Lukaku sua permanência seria um grande atraso para seu desenvolvimento. Em sua primeira temporada na Roma, o atacante fez 27 gols e foi essencial para que o time conquistasse a Conference League.
No caso de Guéhi, por outro lado, foi muito mais uma questão de não enxergar oportunidades constantes no time principal. E ao que tudo indicava no início da temporada, não teria mesmo. Então, ele foi para o Crystal Palace, se tornando titular absoluto e demonstrando que é um líder nato no elenco.
É impossível dizer que eles teriam o mesmo destino no Chelsea. Em questão de performance e aproveitamento – pelo menos não de forma imediata como tiveram nos clubes que hoje representam. No entanto, os feitos e marcas que atingiram demonstram a ótima formação que tiveram nos Blues e a qualidade individual que tem em si.
Ou seja, demonstram que, se houvesse paciência, o time do oeste londrino poderia ter grandes nomes consigo por muito tempo – sem ter gastos desnecessários e sem um elenco inchado e com qualidade limitada.
Nas categorias de base, o mesmo cenário
Na mesma janela, nomes como Tino Livramento, Lewis Bate, Dynel Simeu e Myles Peart-Harris também deixaram Cobham. Contudo, esses quatro ainda não haviam feito suas estreias no time principal. Desse modo, a grande questão foi: incertezas sobre a possibilidade de debutar e atuar pelo time principal no futuro. Mais ainda, em um futuro não tão longe.
Nesse sentido, os jovens optaram por não renovar seus contratos e seguiram livres para outros times. Bate, Livramento e Peart-Harris foram para Leeds, Southampton e Brentford respectivamente. Bate e Peart-Harris atuaram muito mais pelos times de desenvolvimento de seus clubes, porém, figuraram no time principal em algumas oportunidades.
Por sua vez, Livramento foi para os Saints e de cara se tornou titular. Em pouco tempo, o lateral direito se tornou um dos grandes nomes da equipe e caiu nas graças da torcida. Porém, um lesão acabou com sua temporada de forma precoce. Simeu, enfim, foi para o Southampton mas saiu em empréstimo para o Carlisle United.
Além deles, nomes como Nathan Ake, Jamal Musiala e Tariq Lamptey, também formados em Cobham, mas que deixaram o clube em temporadas anteriores por razões similares, demonstram que a possibilidade de jogar no time principal do Chelsea tem que estar evidente. Caso contrário, deixar o clube para ter minutos de jogo e crescer no futebol profissional se torna a melhor opção para os jogadores. E, assim, o clube perde talentos próprios que poderiam alimentá-lo por anos.
Por fim, vale ressaltar que as fases do desenvolvimento de jogadores propostas por Neil Bath não devem ser mudadas. Porém, dar a perspectiva aos jovens da Academia é essencial – e ver que poucos estão tendo oportunidades na equipe principal não é animador para aqueles que se graduam na sequência.
Será que Tuchel pode reparar os erros?
Muito mais que dar oportunidade aos jovens, quando possível, a grande questão que o treinador da equipe principal terá a chance de corrigir é: deixar evidente a oportunidade de ascender para o time que comanda. Em outras palavras, Tuchel deverá demonstrar que os jogadores do dev squad e até mesmo do sub-18, um dia, podem vir a atuar sob seu comando.
Desse modo, o caminho mais fácil para o alemão fazer isso é buscar ao máximo aproveitar os jogadores que estão voltando de empréstimo. Grande parte da loan army consiste de graduados nas categorias de base do clube e muitos deles indicaram estar prontos para debutar e atuar sob o comando de Tuchel. Dentre eles, os que mais chamaram atenção foram Conor Gallagher, Armando Broja e Levi Colwill.
Para além deles, vale destacar Ethan Ampadu, Ian Maatsen e Dujon Sterling que, por suas qualidades e pelas necessidades que se apresentam no elenco, podem vir a integrar o elenco. E eventualmente se tornarem peças centrais para a reposição sem perda de qualidade.
Movimentações na janela
Para a próxima janela de transferências, Todd Boehly declarou apoio total ao treinador e garantiu um orçamento de pelo menos £200mi para buscar reforços. Porém, com algumas soluções caseiras podendo ser utilizadas, talvez, nem seja preciso gastar tudo. Muito antes de Tuchel chegar, a balança entre ganhar títulos e aproveitar a Academia sempre foi importante. Com o cenário atual, isso fica ainda mais em destaque.
Hoje, é nítido que os Blues precisam reforçar sua equipe na defesa e, dependendo das saídas, o meio de campo pode se tornar um foco. O ataque não é tanto um problema, mas, com peças que não encaixaram, pode ser que alguns novos nomes pintem dentre os jogadores ofensivos – enquanto outros podem estar de saída.
Desde já, olhando para jogadores que tem contrato com o clube, o técnico do Chelsea tem ótimas opções para todos os setores. Sem dúvidas, é necessário pensar no estilo de jogo que ele quer seguir – isso, inclusive, é central porque se uma coisa a temporada 2021/22 deixou claro é que nem todos se adaptam ao sistema.
Então, a pré-temporada será central nesse sentido. Mesmo que alguns nomes mais ventilados como interesse dos londrinos no mercado já tenham assinado com o clube, ainda haverá espaço de sobra para aproveitar quem é de casa.
Questão contratual em pauta
Para esta janela de transferências, o clube perdeu diversos jogadores no time principal com contratos vencidos. Enquanto outros contratos expirarão no próximo ano. Nas categorias das equipes da base, a situação é bem parecia. Em outras palavras, são 20 jovens com contrato vencendo neste verão europeu ou no próximo ano.
Decisões sempre são feitas sobre quem deverá seguir e sobre quem deverá deixar o clube. Afinal, com a quantidade de jogadores que o Chelsea forma, é impraticável que todos tenham chance no time principal. Contudo, isso também deve ser pensado para em primeiro lugar promover a continuidade do trabalho de desenvolvimento. Mas também para garantir o futuro do time principal.
Nomes como Dylan Williams e Mason Burstow chegaram para fortalecer a equipe de desenvolvimento – uma vez que, como Myers disse na sua avaliação da temporada, falta um pouco de experiência ao time. Outros reforços devem chegar, até porque alguns devem estar de saída. Porém, as situações contratuais atuais devem ser adereçadas para que um movimento similar ao que ocorreu dentre os comandados de Tuchel não se repita na Academia.
Dessa forma, aqueles que ficarem serão, sem dúvidas, grandes pilares daqui para a frente e, caso sigam se desenvolvendo conforme o esperado, devem figurar por muitos anos com a camisa azul.
Portanto, Tuchel, juntamente com Boehly, pode e deve buscar corrigir os erros do passado para que o desenvolvimento de talentos no clube consiga fornecer para si mesmo. Nem todos terão espaço, porém, uma parcela considerável dos atuais jovens da Academia podem trilhar caminhos similares aos de John Terry, Mason Mount e Reece James. Muito mais que ver a possibilidade, que eles possam senti-la e alimentá-la para que o Chelsea possa colher seus bons frutos por muito tempo.
Jogadores da base com contrato vencendo em até 12 meses
Contratos válidos até 30/06/2022
Thierno Ballo
Juan Familia-Castillo
Xavier Simons
George McEachran
Sam McClelland
Josh Brooking
Ethan Wady
Dion Rankine
Derrick Abu (sub-18)
Josh Tobin (sub-18)
Contratos válidos até 30/06/2023
Dujon Sterling
Xavier Mbuyamba
Nathan Baxter
Harvey Vale
Jamie Cumming
Jude Soonsup-Bell
George Nunn
Henry Lawrence
Joe Haigh
Charlie Webster
Brodi Hughes
Jayden Wareham
Prince Adegoke (sub-18)
Edwin Andersson (sub-18)
Luke Badley-Morgan (sub-18)
Tudor Mendel-Idowu (sub-18)
Zain Silcott-Durberry (sub-18)
Alfie Gilchrist (sub-18)
Malik Mothersille (sub-18)
Billy Gee (sub-18)
Leo Castledine (sub-18)
*Os dados foram retirados do Transfermarkt
As palavras neste texto condizem com a opinião do autor, não tendo qualquer relação com o Chelsea Brasil