Recentemente o The New York Times publicou em coluna do jornalista Rory Smith uma lista dos seis jogos que moldaram a história do futebol. Não os melhores ou mais memoráveis jogos, mas sim os que ajudam a explicar o futebol como conhecemos hoje.
O Chelsea Brasil resolveu pegar um gancho na temática e produzir uma série, dividida em seis partes, sobre os seis jogos que definem a história do clube. Assim, cada parte será dividida em três atos: Contexto Histórico, O Jogo e Repercussão. Logo, o jogo escolhido será justificado, detalhado e colocado em perspectiva. O primeiro, segundo, terceiro e quarto jogos já foram publicados. A quinta parte da série começa agora: A semifinal da Champions de 11/12.
Contexto Histórico: Sucesso doméstico
A primeira temporada com Carlo Ancellotti provou-se uma das mais memoráveis da história do clube. O italiano trouxe para os Blues um estilo consistente defensivamente, mas ainda ofensivo. Assim o time terminou a temporada com incríveis 103 gols na Premier League, um recorde até então.
Logo na pré-temporada Ancelotti venceu o torneio World Football Challenge disputado nos Estados Unidos. Depois, em sua primeira partida oficial, sagrou-se campeão da Community Shield. O adversário foi o Manchester United e os Blues venceram por 4-2 nos pênaltis após o jogo terminar empatado em 2-2. Logo, é seguro dizer que o italiano começou bem a sua passagem.
Posteriormente, no fim da temporada, o Chelsea trocava de posições com o mesmo United no topo da tabela. Os Blues só garantiram o primeiro lugar no último dia da época com uma vitória enfática sobre o Wigan por 8-0. Foi a primeira vez na Premier League que um clube ultrapassava a marca de 100 gols. O número de tentos também foi o mais alto desde que o Tottenham marcou 111 em 1962/63.
Porém, na temporada seguinte, o Chelsea viu a sua forma decair após um começo de campeonato promissor. Mesmo gastando mais de 70 milhões de libras na janela do meio da época para trazer Fernando Torres e David Luiz, o time não conseguiu engrenar. As duas chegadas não surtiram o efeito necessário e, logo após o fim do campeonato, Ancellotti foi demitido.
Projeto Villas-Boas
A estratégia que trouxe André Villas-Boas ao clube em junho de 2011 foi tratada como manobra de gênio. Logo, o português veio com a credencial de aprendiz de José Mourinho e vencedor em Portugal com o Porto. O contrato de três anos firmado com o Chelsea deu carta branca para contratações. Assim, como sua primeira indicação, o goleiro Thibault Courtois foi contratado. Logo em seguida, Juan Mata também assinaria pelos azuis, o que se mostrou uma decisão acertada pelo novo camisa 10. No último dia da primeira janela de transferências chegou ainda Raul Meireles, diretamente do Liverpool.
Contudo, o que começou muito bem logo se transformou em pesadelo. Logo após a derrota para o Liverpool nas quartas de final da Copa da Liga, a terceira em quatro jogos, Villas-Boas confirma que Nicolas Anelka e Alex entregaram pedidos de transferência e foram banidos dos treinamentos com o time principal.
Assim, Villas-Boas chegou ao fundo de posso na sua passagem pelos Blues em fevereiro de 2012. Em partida válida pelas oitavas de final da Champions League, contra o Napoli, o espanhol decidiu deixar no banco Frank Lampard, Michael Essien e Ashley Cole. Assim, o Chelsea perdeu por 3-1 e o treinador teve que dar explicações ao diretor técnico do clube. Juntando os problemas de elenco, com a falta de resultados em campo, Villas-Boas foi demitido em março de 2012. Logo, em seu lugar, o clube anunciou como interino o então auxiliar técnico, ex-jogador e ídolo dos Blues, Roberto Di Matteo.
O Jogo: Estratégia sem estratégia
A mudança de mentalidade foi imediata. A forma do time de Villas-Boas era tão ruim que até a torcida cantava, no jogo após a sua saída: “Roman Abramovich, ele demite quem ele quiser”. Logo na primeira partida de Di Matteo, o Chelsea venceu o Birmingham por 2-0, credenciando-se às quartas de final da FA Cup daquele ano.
Porém, o principal ponto de virada na temporada foi a vitória por 4-1 sobre o Napoli no jogo de volta das oitavas da UCL. O time conseguiu reverter um placar de 3-1 para os italianos no jogo de ida com um gol salvador de Branislav Ivanovic nos acréscimos. Logo a classificação iria se tornar ainda mais importante com as eliminações de Arsenal e dos times de Manchester. Assim, o Chelsea era o único representante inglês em competições europeias.
Ainda em março, os azuis de Londres se classificaram para as semifinais da FA Cup pela quinta vez em sete anos com uma vitória sobre o Leicester por 5-2. A vitória marcou o renascimento de Fernando “El Niño” Torres com a camisa dos Blues. Após 24 jogos sem marcar, o espanhol confirmou dois tentos e duas assistências, sendo eleito o Homem do Jogo.
As quartas de final da UCL foram marcadas por duas vitórias azuis contra o Benfica de Portugal, somando 3-1 no agregado. Portanto, era a sexta vez em nove temporadas que o time chegava às semifinais do maior torneio europeu de futebol. O adversário foi o então campeão Barcelona de Pep Guardiola e Lionel Messi. Era a quinta vez em oito anos que os clubes se enfrentavam na competição.
Expectativa e rivalidade
Assim, a rivalidade entre os clubes vinha crescendo na última década com os confrontos da Champions. Diversos jogadores como Xavi, Iniesta e Messi pelo Barcelona e Lampard, Drogba, Terry e Cech pelos blues, estiveram presentes nos encontros recentes.
O primeiro jogo foi uma aula defensiva para os catalães. O time inteiro do Chelsea se posicionou atrás da linha da bola esperando para o contra-ataque. Finalmente a situação aconteceu, nos acréscimos da partida, com gol do artilheiro Drogba. Assim, os Blues levavam para o Camp Nou a vantagem do empate sem gols adquirida em casa.
Para a partida de volta, os ânimos estavam mais à flor da pele. O Barcelona então havia perdido dois jogos em sequência desde maio de 2009. A torcida blaugrana se questionava sobre os experimentos táticos de Guardiola, sobre as lesões e sobre a pior derrota recente para o rival Real Madrid poucos dias antes. Assim, o Chelsea estava com a faca e o queijo na mão. Mais ainda pela recuperação relâmpago de Drogba de uma lesão no joelho desde a primeira partida.
No jogo de volta, os catalães entraram em campo em um 3-4-3 com Valdés, Puyol, Mascherano e Pique, Cuenca, Busquets, Xavi e Iniesta, Sanchez, Messi e Fabregas. Desta vez Thiago, Daniel Alves e Adriano estão no banco. Já os Blues vêm inalterados com Cech, Ivanovic, Cahill, Terry e Cole, Ramires, Meireles, Mikel, Lampard e Mata, e Drogba. Essien, Malouda, Bosingwa, Torres e Kalou no banco. A batalha estava prestes a começar.
O susto
A primeira oportunidade do jogo foi para o Barça. Messi apareceu pela direita e chutou na rede pelo lado de fora. Assim, o ataque já demonstrava como iria ser a dinâmica do jogo. A pressão continuou só para ver Ashley Cole salvar os Blues praticamente em cima da linha em cruzamento de Andrés Iniesta. À medida que o primeiro tempo avançava, o Barcelona ia criando chances de abrir o marcador, mas parava no sistema bem postado dos ingleses e em defesas de Petr Cech.
A primeira chance do Chelsea veio dos pés do artilheiro Didier Drogba. Isolado na frente, o marfinense ganha disputa com Gerard Piqué pela esquerda, avança pela linha de fundo e, sem ângulo, acerta a rede pelo lado de fora. A proposta dos ingleses era se defender com 10 jogadores e abusar da bola longa com o atacante.
Entretanto, a estratégia funcionou só até determinado ponto. Logo, aos 35 minutos, em jogada bem trabalhada, Sergio Busquets aparece dentro da área para finalizar e abrir o marcador. Assim, o jogo estava empatado no agregado e a disputa estava indo para a prorrogação.
O gol sofrido pareceu desnortear os Blues. Dois minutos depois, por falta sem bola em Alexis Sanchez, o capitão John Terry recebe cartão vermelho. Assim a situação dos ingleses piora, tornando a partida mais dramática. Poucos minutos depois, com a defesa ainda desarrumada, Messi parte pelo meio e coloca boa bola na esquerda para Iniesta, que só tira de Cech e amplia o marcador.
A recuperação
Para o torcedor tudo parecia perdido. Mas, os jogadores do Chelsea sabiam que um gol marcado antes do intervalo era fundamental para a sobrevivência no jogo. Foi então que, nos acréscimos do primeiro tempo, Ramires, agora de lateral direito, começa jogada. Vindo do campo de defesa, o brasileiro acha Lampard no meio e parte em profundidade. Em passe de extrema visão e habilidade, o inglês coloca Ramires na cara do gol. Quando todos esperavam um cruzamento ou chute forte, o brasileiro dá uma cavadinha encobrindo Victor Valdés e colocando mais uma vez o Chelsea na final antes do intervalo.
Da mesma forma, a tônica do segundo tempo continuava a mesma. A pressão dos espanhóis era perigosa. A linha de defesa azul agora era formada por Ramires, Bosingwa, Ivanovic e Cole, para jogar contra um dos melhores times da história. Logo, não demorou muito para Cesc Fabregas e Messi tabelarem na área e Drogba, que estava marcando na defesa, cometer pênalti. Na cobrança, Cech acertou o canto e a bola de Messi balançou o travessão. O Chelsea ainda estava classificado.
A partir daí o jogo virou, mais do que nunca, ataque contra defesa. Aos 50 minutos, Ivanovic recebeu cartão amarelo e é desfalque para a final. O Barcelona, tão contundente, começava então a perder a calma. O jogo de Tiki-Taka dos espanhóis não surtia efeito com o “ônibus” azul estacionado dentro da grande área defensiva. Messi e Xavi irreconhecíveis no segundo tempo e, conforme os minutos passam, cada vez mais ineficazes.
O último prego no caixão
Após 80 minutos de esforços titânicos para se defender das investidas barcelonistas, o Chelsea recebe fôlego novo na frente. Torres substitui o guerreiro Drogba, que desde o primeiro tempo jogava por dois jogadores, marcando e tentando segurar a bola na frente. Os últimos minutos de jogo ainda viram várias defesas de Cech e o Barcelona acertando a trave pela quarta vez no jogo, agora pelos pés de Messi.
Assim, aos 91 minutos de jogo, o então zagueiro Bosingwa dá um balão para frente. Torres está tão sozinho que nem a câmera o detectou. O espanhol recebeu partindo do campo de defesa, portanto sem impedimento, e avançou para encarar Valdés. Com tranquilidade, o atacante dribla o arqueiro e decreta o fim para o Barcelona na UEFA Champions League de 2011-12. O Chelsea estava a caminho de Munique.
Repercussão: Grito entalado
Como era de se esperar, o jogo trazia uma atmosfera de revanche para os dois times. Mas o confronto era especialmente importante para os Blues, que viam a partida como oportunidade de “descontar” a eliminação injusta de 2009. O jogo acabou com quatro penalidades não assinaladas para o Chelsea e o Barcelona classificado para a final com gol de Iniesta no final, com requintes de crueldade.
O “Iniestazo”, como ficou conhecida a partida, ainda estava na mente dos jogadores e dos torcedores. Vários deles estavam presentes naquela noite no Stamford Bridge e esperavam ganhar. Assim, a rivalidade se acirrou ainda mais depois da vitória por 1-0 no primeiro jogo.
Liderança em campo
É de se salientar que o Chelsea estava jogando sem técnico há mais de um mês. Contudo, o treinador que deixou o clube, Villas-Boas, tinha as mesmas peças nas mãos e não conseguia dar consistência à equipe. Foi necessário a sua saída e posteriormente a chegada de um interino para o elenco perceber que não precisava de técnicos para ser bem-sucedido na temporada. Logo, os “técnicos” da equipe estavam dentro de campo. Cech, Terry, Cole, Lampard e Drogba tiveram papel fundamental na salvação da temporada. A figura de Di Matteo no banco, apesar de forte pela idolatria, era protocolar. Portanto, quem mandava eram os senadores.
Isso ficou mais claro ainda na semifinal contra o Barcelona. O lado azul teve vários destaques individuais nas partidas. Primeiramente o goleiro Cech fez duas de suas principais exibições com a camisa dos Blues. Assim, o tcheco se agigantou perante os atacantes e foi uma verdadeira muralha, evitando a derrota. Em segundo lugar, o sistema defensivo como um todo teve papel importante na dedicação contra um ataque de muita qualidade e movimentação. Entretanto, a única ressalva é para o capitão Terry que, por estupidez, conseguiu ser expulso e ainda ficar fora da final.
Finalmente, Didier Drogba tomou o time para si e carregou nas costas a alma dos onze em campo. Herói no primeiro jogo, Drogba fez de tudo dentro de campo no segundo. Assim, no segundo tempo, o atacante jogou praticamente no campo inteiro. Inclusive, na segunda etapa, ele ganha lance próximo à linha de fundo de defesa, corre pela lateral direita, dá uma meia-lua em Puyol e, antes do meio campo, avista Valdés adiantado e quase surpreende o arqueiro com um chute perigoso. Esta jogada exemplifica o jogo do marfinense.
Ânimo para a final
Assim, a vitória e classificação então foram como a liberação do grito entalado contra o rival. Logo uma sensação de justiça prevaleceu no Camp Nou naquela noite, ironicamente devolvendo a decepção doméstica para os rivais. O banho de água fria nos blaugranas foi tamanho que sacramentou a passagem de Guardiola pelo Barça. Lampard também teve a sua contribuição. Se não fosse pela assistência para gol de Ramires, a moral do time certamente seria abalada. O meia ainda travou duelo pessoal com Fabregas, se desentendendo com o espanhol durante toda a partida até a sua substituição.
Além disso, ganhar dos principais candidatos ao título com a raça demonstrada só credenciou o lado azul para o duelo na final. Logo, o adversário seria o Bayern, que jogava em casa, no estádio Allianz Arena. Essa seria a primeira final desde a eliminação para o United em 2008.