Nesta sexta-feira, dia 24 de abril, serão completos 100 anos desde que o Chelsea Football Club alcançou a sua primeira final da FA Cup. Os Pensionistas, como eram apelidados os Blues na época, estavam ainda em seu décimo ano de existência; e até mesmo a Copa da Inglaterra era uma competição relativamente jovem, com apenas 43 anos de idade.
Embora o Chelsea tenha perdido para o Sheffield United naquele grande dia, o jogo mantém um lugar importante na história do clube, e também do futebol inglês, uma vez que se jogou a final da FA Cup sob a sombra escura da Primeira Guerra Mundial, que tinha coberto a Europa pouco menos de um ano antes.
A fotografia acima chega a ser emblemática, já que mostra soldados e oficiais do Exército Britânico uniformizados assistindo à final a partir das arquibancadas. Deixando claro o porquê de o jogo ter ficado conhecido como o “Khaki Cup Final”, em alusão as cores dos uniformes militares que tomavam conta do estádio.
Para dar um sabor da época para os torcedores brasileiros, e para marcar o aniversário centenário da partida, Chelsea Brasil, se apoiando no trabalho do historiador do Chelsea Rick Glanvill, hoje começa a contar algumas das histórias em torno da ocasião. O especial será divido em duas partes, com a segunda sendo divulgada amanhã, data do aniversário da final. O formato do texto acompanhará o original de Glanvill, que conta a história como se fosse um texto da época, para dar um sabor histórico especial.
FALANDO SOBRE O JOGO
Nós todos fomos informados de que as atividades do futebol no país como conhecemos deixará as atividades no próximo mês; também declaramos que o Chelsea – de alguma maneira, vai participar de atividades esportivas da London Combination e não da Football league (a London Combination liga independente criada em Londres 1915 para que os clubes não ficassem ociosos, uma vez que o futebol oficialmente foi cessado durante a Guerra; outras ligas no Sul e Norte da Inglaterra, dentre outras localidades, também foram criadas).
Quando tantos entes queridos estão perecendo nas trincheiras e oceanos, envolvidos pela Grande Guerra, a ameaça de rebaixamento era sempre será a menor de nossas preocupações. Contudo, as possibilidades que poderiam aguardar o clube agora estão suspensas, então nosso destino terá de esperar.
Até amanhã, contudo, o pontapé inicial da Final, que se dará em torno de 15h30, e até que o resultado da partida seja confirmado, serão o foco da atenção os nossos jogadores Bob Thomson e Jack Harrow, em vez dos campos de batalha no exterior, e Neuve Chapelle e os Dardanelos. As mentes dos torcedores fugirão destas preocupações por um momento. A atrocidade das incursões do Zeppelin na costa leste momentaneamente dará lugar aos chutes e jogadas do nosso talentoso lado direito.
Por que não Os Pensionistas, chamados agora de o “Orgulho de Londres”, devem ser o que irão levantar este troféu, que tem um valor inestimável? Quem sabe se os Pensionistas do Chelsea não ostentarão uma medalha de campeão no fim do dia?
FATO DIGNO DE NOTA
O Chelsea é o primeiro clube de futebol de Londres a chegar à final da Copa da Inglaterra.
A PARTIDA
“Eles não jogam nem um pouco como um clube na parte inferior da tabela!”. Exclamou um repórter da área de West Bromwich depois que seu time perdeu por quatro gols a um pelo Campeonato, na semana passada. E a observação foi bastante justificada pela grande exibição do Chelsea.
O time precisou de um tempo um tempo para se encontrar, mas agora está jogando futebol de grande nível, mesmo sem Harrow e Thomson. Harry Ford esteve em ótima forma jogando pelos flancos e pavimentou o caminho para dois gols, além de marcar um. Croal e McNeil funcionaram admiravelmente juntos, embora o Tenente Woodward (foto à direita) não foi bem, depois de ter retornado de seus compromissos de Guerra contra o Kaiser, na França.
Houve nos últimos meses dois principais argumentos para a continuidade de futebol durante o atual conflito e ambos têm sidos provados corretos. O primeiro é o de que o “jogo” é um negócio profissional, com os meios de subsistência de atletas e funcionários, o lucro do clube e participações financeiras em questão.
Durante toda a temporada 1913-1914 desta competição, a FA Cup, 76 jogos foram disputados por 64 clubes, atraindo exatos 1.707.009 espectadores – uma média de 22.500 a cada partida – com receitas totais de portão de £ 85.229 (8.782.932,91 atualmente). Valor incluindo as receitas de bilheteira da semifinal do Chelsea FC, que totalizaram £ 8.266 (851 mil libras atualmente).
O segundo argumento para a permanência do futebol durante a Guerra foi o de que é bom para a moral pública. Não houve nenhuma evidência mais eloquente disso do que nas páginas do Chelsea FC Chronicle, jornal do clube, onde dezenas de cartas de soldados e oficiais são enviadas a cada semana, exigindo notícias do progresso da equipe, ou para que um Programa de Jogo seja enviado para os fronts.
E todo mundo quer estar presente para o grande dia, em que Os Pensionistas estarão na final da FA Cup. Para se ter uma ideia, o Sindicado dos Limpadores de Janelas de Blackburn, por exemplo, que estavam em greve por pedirem mais um centavo por hora trabalhada, concordaram em retomar o trabalho somente se seus empregadores derem, além do centavo, um dia de folga na data da final, bem como passagens para ir verem à partida em Manchester.
Bem, nem todos estão felizes com a final. O lastimável Senhor Charrington, que há algum tempo abandonou seu negócio familiar de produção de cervejas por razões honrosas (para fazer campanha contra a embriaguez), tem feito oposição a este ilustre evento de futebol por razões mais que precárias.
Ontem à noite, esta tendência contra a final organizou um protesto contra a partida em sua cidade sede, Manchester. Contudo, a própria população demonstrou interesse por ficar longe das manifestações. E, como um pregador em uma igreja vazia, o Sr. Charrington acabou por se afastar de seu tema principal: “futebol e guerra” e voltou a seu terreno mais familiar: “a bebida demônio”.
Vamos esperar que o Chelsea possa fazer uma grande partida em Manchester e assim ficar com a taça. A grande final ser disputada na cidade do norte é cercada de curiosidades, por sinal. Havia sido anunciado que a partida seria disputada no estádio do Crystal Palace, em Londres, porém o clube se opôs à ordem de proibição de utilização de seu próprio estádio nos doze dias antecedentes à partida.
Com isso, se pensou em mudar o jogo para o Villa Park, estádio do Aston Villa, que havia sido o outro único a se candidatar a sediar a partida, contudo, de maneira inesperada, ficou decidido que a partida será disputada em Manchester, na casa do Manchester United, o Old Trafford.
Devemos destacar que, como descreveu a FA na prévia da partida, que “a casa do Manchester United é uma locação esplendidamente equipado e espaçoso; e que a cidade de Manchester, além de ser um centro de futebol em si, tem a vantagem de fácil acesso por estrada e ferroviário para os municípios densamente povoadas de Lancashire e Yorkshire, sem mencionar Potteries e até mesmo Midlands.”
Além disso, a partir da mesma fonte, fazemos ouvir que “os torcedores do Chelsea lamentam profundamente a circunstância irônica de que a final foi levada ao interior logo no ano em que a equipe favorita de Londres tem a chance de desfrutar da final mais galante de todas”.
No entanto, a decisão das autoridades de não oferecer redução nas passagens para os viajantes da capital fez com que o clube protestasse com veemência. Comprar um bilhete de trem à preço de épocas de guerra é uma tarefa difícil às pessoas. Contudo, sabemos que as restrições de viagens durante o tempo de guerra é um raciocínio válido: todos nós aceitamos que o movimento de tropas e armamento devem ter prioridade, e que o combustível é escasso neste momento.
Contudo, sabemos que vários milhares farão a viagem de Londres para Manchester para apoiar Os Pensionistas, o que é um grande crédito à popularidade do Chelsea. Porém, infelizmente, aqueles que ostentarão bandeiras azuis-e-brancas serão menor número, se comparados com aqueles que farão apenas uma curta viagem através do Pennines, usando o vermelho-e-branco do Sheffield. A desvantagem dos torcedores de Londres será numa proporção de, talvez, 4 para 1, em uma audiência esperada de 50.000.
Naturalmente, fosse a final em Londres, como de costume, os seguidores do Sheffield também seria prejudicados, pois teriam de fazer a longa viagem e muito pior, em relação a que fará os torcedores do oeste de Londres.
O clima também será pouco familiar para os frequentadores da final. Em vinte anos Crystal Palace, a final teve chuva apenas em duas ou três oportunidades, e neve mesmo pouca, em uma única ocasião. A maior parte deste jogo decisivo tem sido abençoada com perfeito sol de primavera.
Contudo, a neblina característica e chuva prevista para Manchester amanhã não vai ser o único aspecto que difere do acolhimento do ano passado no sul de Londres, que ostenta uma arena maior e mais aberta. Rumores dariam conta de que o estádio dos Red Devils não teria nenhuma oferta de alimentos ou bebidas, contudo este boato está provando menos confiável com os dias. Já que os organizadores afirmam que tal catástrofe foi evitada de prontidão, com uma empresa local refrigerantes e outra de alimentos tendo firmado acordo para fornecer refrescos, sanduiches, etc.
Nosso capitão, o Senhor Fred Taylor, e todos os seus companheiros, ficaram muito animados, contudo, em saber que muitos estarão viajando “rumo ao norte” para o grande jogo, apesar das dificuldades. O nosso capitão recebeu vários telegramas e a equipe tem ficado muito feliz com a leitura deles.
Haverá também uma oportunidade para “pegar no pé” do nosso ex-goleiro favorito Willie Foulke (foto à direita), embora Foulke, conhecido como “Babe” seja uma pessoa difícil de se identificar na multidão, como a foto sugere. Ele disse que vai apoiar o time de sua cidade natal, o Sheffield. Isso é bastante aceitável, desde que ele seja mantido longe das refeições dos jogadores do Chelsea. Caso contrário, o Sr. Taylor, nosso atual capitão, e seus companheiro, podem ter dificuldades na final.
Parece também um batalhão completo de imprensa de Sua Majestade fugiu de Fleet Street para Manchester para cobrir a grande final. Os mesmos jornais que até pouco boicotaram qualquer relato de futebol profissional, de repente, reviveram o interesse pelo esporte.
Longe de nós, contudo, sugerir que a virulenta campanha contra a continuação dos jogos de futebol durante a guerra poderia ser comprometida por um possível aumento considerável nas vendas dos jornais caso estes incluam uma cobertura da partida.
A premiada Brass Ensemble Irwell Old Band, conduzido pelo Sr. JW Higham, irá espalhar ares patrióticos e marciais antes e no intervalo da partida. O repertório vai incluir o seguinte:
- Grand march ‘Reliance’ (Ord Hume)
- Fantasia (Irish) ‘Land of the Shamrock’ (Newton)
- Pot pourri (Patriotic) ‘Tipperary Land’ and ‘A Sailor’s life’ (Cope)
- Fantasia (Scotch) ‘Scotland for Ever’ (Round)
- O hino nacional dos aliados – Reino Unido, França e Rússia
Militares de todos os serviços e em todo o país fizeram pedidos de ingressos. Em adição, centenas de soldados feridos, representantes do sul, Escócia, Irlanda e País de Gales, estarão presente em grande número no estádio.
O convidado de honra para a final do ano passado foi Sua Majestade, o Rei George, que não é figura estranha nos portais de Stamford Bridge. Os vencedores deste ano serão presenteados com o troféu por Edward Stanley, o Lord Derby (foto à esquerda, no palco, à esquerda do nosso Ministro do Tesouro, David Lloyd George).
Se a partida permanecer em igualdade ao fim do tempo regulamentar, trinta minutos de prorrogação serão jogados. Se, depois disso, as duas equipes ainda se encontrarem em igualdade, ambas irão deixar o campo de batalha, para se a reunir novamente, no próximo sábado, em Goodison Park.
Não haverá paz para Os Pensionistas a partir de hoje, uma vez que além da final, teremos também na segunda-feira, um jogo contra o Everton. Nós engolimos os Toffees na semifinal da Copa, mas eles podem garantir o Campeonato na mesma noite. Esperamos que tenhamos também um troféu de prata para comparar.