Quando Antonio Conte foi anunciado pelo Chelsea, ainda no final da última temporada, muito se especulava sobre qual sistema tático seria implantado, quais seriam as mudanças propostas pelo italiano no estilo de jogo e quais seriam os nomes contratados e dispensados na janela de transferências. Após um ano de fracassos nas disputas domésticas e internacionais, inclusive não se classificando para competições europeias na temporada atual, era de se esperar uma mudança drástica tanto no elenco e na mentalidade quanto no sistema de jogo e até nos bastidores do clube.
O que aconteceu foi que, dos vários alvos pretendidos por Conte, somente N’Golo Kanté foi convencido a participar do projeto. Dos diversos jogadores do plantel dos Blues, 38 foram emprestados para clubes ao redor do mundo e poucas peças foram trazidas, o que culminou nas contratações desesperadas de David Luiz e Marcos Alonso. O sistema de jogo permaneceu praticamente o mesmo das últimas temporadas com os contestados Branislav Ivanovic e Gary Cahill como titulares, Cesar Azpilicueta ainda improvisado na lateral esquerda e Nemanja Matic ainda deixando o meio campo devagar.
As mudanças que de fato ocorreram foram a introdução de Kanté como titular e responsável pela marcação no meio campo, mas principalmente o fortalecimento da mentalidade da equipe que, ao longo de sucessivos fracassos na última temporada, se fragilizou.
Após um começo promissor de temporada, mesmo com a descrença de muitos torcedores, o Chelsea emplacou uma série de três vitórias na Premier League demonstrando poder de reação e espirito dentro de campo. Mas as vitórias “com emoção” dos Blues deram espaço a declarações de jogadores sobre transferências, insatisfação de antigos titulares pela falta de minutos em campo e falta de confiança dos atletas durante as partidas. Todos esses fatores foram importantes no empate com Swansea e nas derrotas para Liverpool e Arsenal.
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No seu pior jogo da temporada, em que perdeu por 3-0 para o rival londrino fora de casa, surgiu como opção para o Chelsea de Antonio Conte o esquema com três zagueiros que tanto funcionou pela Juventus e pela Seleção Italiana. Na partida contra o Arsenal a tentativa foi inútil, não surtindo o efeito desejado mas evidenciando o que deveria ser mudado para as próximas partidas caso o treinador desejasse manter o sistema.
Fato consumado, no jogo seguinte o italiano conseguiu, com sucesso, implementar o 3-4-3 com Azpilicueta no lado direito da zaga para dar mais mobilidade ao sistema defensivo, Victor Moses e Marcos Alonso nas alas para “ampliar” o campo, além de Hazard e Willian como atacantes de movimentação atrás de Diego Costa. Tal mudança mostra que a visão de Conte sobre futebol continua a mesma das épocas à frente da Velha Senhora e da Seleção da Itália, só adaptada agora ao futebol inglês.
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Existem dois lados dessa mudança de esquema no Chelsea de Conte que devem ser considerados antes de cravar a mudança como positiva ou negativa:
Pontos positivos
1º – O treinador está habituado e sente que a defesa ideal de qualquer time passa por três defensores: um mais qualificado na saída de bola, um que sai para marcar e se destaque pelas roubadas de bola, e um líder que comande as movimentações e faça a cobertura de eventuais espaços. No plantel do Chelsea temos opções que se encaixam nos papeis previstos por Conte, inclusive entre lesionados e emprestados, como David Luiz pela saída de bola, Terry pela liderança e Zouma pelo vigor físico e capacidade de roubada de bola.
2º – O meio campo com dois meias centrais que atacam e defendem com igual intensidade não só é fundamental na recomposição defensiva para proporcionar segurança para a defesa realizar movimentos independentes e não ter de cobrir espaços deixados pelos meias, mas também é imprescindível na criação de jogadas com jogadores que aparecem na frente como opção para os atacantes.
3º – Os alas dão amplitude ao time, tanto ofensiva quanto defensivamente. Marcos Alonso já está acostumado a essa função, o papel de ala que desempenhou na Fiorentina o credenciou como um dos melhores laterais do campeonato italiano e, com três zagueiros protegendo o sistema defensivo, o espanhol tem menos responsabilidade para marcar e mais liberdade para cruzar. Já Victor Moses é o exemplo de ala típico de Antonio Conte: rápido, forte, agressivo e ocupa bem os espaços pela faixa direita. O nigeriano, que parece ter encontrado a sua posição nos Blues, dá mais opções ofensivas pelo lado direito que Azpilicueta e é melhor defensivamente que outro meia colocado como ala, como Pedro ou até mesmo Willian.
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4º – O ataque ficou mais povoado com a movimentação de Willian e Hazard auxiliando Diego Costa nas ações ofensivas. Com mais jogadores na frente, dois deles com capacidade de voltar ao meio campo e buscar a bola para iniciar jogadas, o Chelsea ficou mais incisivo e pôde, no jogo contra o Hull, demonstrar sua melhor faceta ofensiva da temporada. A formação com três atacantes tira o melhor dos jogadores utilizados: Diego Costa não fica sobrecarregado com a criação e pode se preocupar com a finalização das jogadas, Hazard foge da marcação pois tem mais liberdade para circular pelo terço final de campo e Willian pode dialogar com o belga, coisa que não era possível quando eram utilizados como wingers em lados opostos do campo.
Resumindo: O 3-4-3 pode dar certo pelas peças-chave que o Chelsea possui no elenco; pela variabilidade que possui o sistema, uma vez que pode ser revertido em situações de jogo com somente uma modificação; e pela solidez defensiva e segurança que proporciona tanto aos zagueiros, que são mais protegidos, quanto aos jogadores mais ofensivos que tem mais liberdade para jogar.
Pontos negativos
1º – O tempo de total adaptação ao esquema pode ser fatal para as ambições do Chelsea na atual temporada. Desde o início da Era Abramovich, todos os treinadores que passaram pelo comando dos Blues utilizaram o esquema com quatro zagueiros como ideal em suas formações, desde os vitoriosos Carlo Ancelotti e Roberto Di Matteo até os contestados Rafa Benitez e Felipão. Com a mudança de mentalidade necessária para se adaptar ao esquema preferido de Conte, os jogadores podem não aderir completamente ao estilo de jogo, ou não tão rapidamente quanto necessário, acabando de forma prematura com a temporada do Chelsea.
2º – A falta de peças de reposição pode ser outro fator que influenciaria negativamente o suposto novo esquema de Conte. Jogadores como Terry, que já está em fim de carreira, Eden Hazard e Kanté, que não possuem substitutos à altura e Marcos Alonso que é o único jogador do atual elenco que desempenha a função de ala pela esquerda que Conte idealiza podem fazer falta numa eventual lesão ou cansaço pelo excesso de jogos.
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3º – Outro fator que pode ser determinante é a regularidade de alguns atletas do elenco do Chelsea. Por exemplo, Gary Cahill, Ivanovic, Oscar, Fàbregas, Pedro e Matic não inspiram total confiança dos torcedores e podem desequilibrar o jogo para o lado adversário. Regularidade essa que pode ser interpretada também como tempo de jogo no caso de Fàbregas. O meia espanhol não se encaixa no esquema que Conte quer utilizar e não possui as características que o treinador procura em meio campistas da sua posição.
4º – A impaciência e a falta de planejamento da diretoria também podem contribuir para o insucesso do esquema, uma vez que Abramovich não é conhecido pela sua capacidade de esperar muito tempo por resultados e os diretores dos Blues não são conhecidos pela sua habilidade em realizar negócios bons ou tomar decisões acertadas com relação a jovens e novas contratações.
Resumindo: Um novo esquema viria com uma nova mentalidade e uma nova filosofia de jogo, o que sempre é difícil e dispendioso de se implantar, principalmente na Inglaterra onde existem certos tabus no futebol que os treinadores não devem quebrar, como é o caso da utilização dos laterais. A qualidade individual dos reservas e até mesmo de alguns “titulares” no novo esquema pode ser contestada por vários fatores: falta de adaptação, regularidade e idade avançada.
Conclusão
O Chelsea precisa de uma renovação de atitude se quiser se manter como elite do futebol inglês, europeu e mundial, como foi desde a chegada de Abramovich. Para isso, precisa confiar em seu treinador e na sua proposta de jogo e mentalidade, uma vez que fez a Juventus ressurgir no cenário italiano e europeu depois de anos de vacas magras e escândalos de corrupção.
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A impaciência do russo deve dar lugar a um plano de administração do clube que envolva a criação de uma identidade, coisa que times grandes do cenário europeu possuem independentemente de técnicos e jogadores.
Antonio Conte é o manager que o Chelsea precisa, mesmo não ostentando esse status no clube. O italiano precisa de carta branca, assim como na Velha Senhora, para contratar, ao contrário do que teve até agora com Kanté sendo o único atleta requisitado; para dispensar jogadores que julgue não estarem aptos a fazerem o que se pede no vestiário, fato que ficou visível depois do jogo do Arsenal quando jogadores do Chelsea foram acusados de não realizarem as funções pedidas pelo técnico; mudar jogadores de posição, coisa que aconteceu com Oscar que virou meia central, Azpilicueta que agora pode jogar na zaga e com Willian, que foi adiantado e pode fazer a mesma função que Hazard no 3-4-3; e utilizar a base, coisa que Conte ainda não conseguiu fazer devido à política do clube de emprestar atletas jovens temporada após temporada.
O sistema em si é o menos importante na atual conjuntura dos Blues. Seja com três ou quatro zagueiros, precisamos acreditar que Antonio Conte está conseguindo extrair de seus jogadores as suas melhores formas físicas, seus melhores posicionamentos e suas melhores atitudes, mesmo que contestado pela imprensa, pelos torcedores e, eventualmente, pelo dono do clube.
As palavras neste texto condizem com a opinião do autor, não tendo qualquer relação com o Chelsea Brasil.