Depois da derrota para o Dínamo Zagreb na última terça-feira, a torcida do Chelsea foi pega de surpresa com a demissão de Thomas Tuchel do cargo de treinador. Todd Boehly, um dos novos proprietários do clube, afirmou que a decisão não foi baseada por causa da derrota, mas sim por conta das divergências em relação à visão das partes sobre o futuro.
Sendo assim, os Blues buscaram Graham Potter para substituir o alemão – em uma decisão que, ao que indicam insiders do clube, foi bem pensada pela nova diretoria. Ou seja, apesar da demissão de Tuchel ter sido surpreendente para os de fora, quem vivia a rotina dentro do Chelsea, parecia ser uma questão de tempo até que se confirmasse.
Enfim, a escolha por Potter e o contrato de cinco anos de duração dado ao inglês são mais um dos grandes indicativos das mudanças que Boehly e companhia pretendem realizar. Com grande parte dos funcionários de alto-escalação da Era Abramovich já fora do clube, finalmente, podemos, de fato, falar sobre o início de uma nova Era no Chelsea – e a partida desta quarta-feira (14) marca sua abertura.
Escapando da rigidez
Em seus anos como treinador do Brighton, Potter construiu um sistema bastante fluido, baseado em mudanças de táticas, de esquemas e até mesmo de jogadores com certa regularidade. Nesse sentido, o trabalho dos adversários em estabelecer qualquer tipo de consistência em relação ao sistema dos Seagulls se tornou mais difícil.
Por outro lado, Tuchel construiu um sistema que não permitia muita mobilidade. Mesmo tendo que improvisar jogadores fora de posição, os Blues muito raramente trabalhavam em um esquema que não o 3-4-3, priorizando a atuação pelas faixas laterais. Portanto, ficou fácil decifrar as táticas para bater ou pelo menos dificultar o jogo do Chelsea. Inclusive, com os adversários obtendo cada vez mais sucesso nessa missão.
Logo, Potter chega com a missão de libertar os Blues da “mesmice” que se dava dentro de campo nas últimas atuações sob o comando do alemão. Mas também, e sobretudo, está relacionada ao futuro do clube que tem um dos melhores centros de formação do mundo e que, ao que tudo indica, está disposto a utilizar mais e melhor os produtos formados em Cobham.
O futuro começa agora
Mesmo dando oportunidades de estreia a alguns dos jogadores das categorias de base, Tuchel não parecia muito disposto a priorizar o aspecto de desenvolvimento dos mais jovens. Por exemplo, na última rodada da Premier League da temporada passada, apesar do destino do Chelsea já estar selado, o alemão preferiu entrar em campo com jogadores mais experientes e que, claramente, não estavam com ritmo de jogo e muito menos eram parte do futuro do clube.
Da mesma forma, ainda na pré-temporada, Tuchel pediu que Harvey Vale e Billy Gilmour deixassem o centro de treinamentos da equipe principal dos Blues nos Estados Unidos para que se juntassem à equipe sub-21, que jogou um torneio também nos EUA na mesma época.
Em suma, o alemão deixou a desejar no que diz respeito a fortalecer as relações entre o time principal e a Academia, o que também impactou na decisão da nova diretoria em buscar um novo comandante. Por isso, sob esse outro aspecto, a escolha por Graham Potter é justificada por uma mudança de panorama.
Como treinador do Brighton, em especial, mas também antes de comandar os Seagulls, teve que lidar com times de orçamento mais restrito e que, de certa forma, tinham mais espaço para utilização de jogadores mais jovens. Enock Mwepu, Jeremy Sarmiento, Moisés Caicedo e Julio Enciso são alguns dos nomes que Potter integrou à equipe principal. Além de Tariq Lamptey e Billy Gilmour que fizeram a mudança definitiva da capital para o sul do país em busca de melhores oportunidades.
Enfim, Potter também foi estudado como o nome que pode unir Cobham e Stamford Bridge. Assim como o novo treinador, Neil Bath, Jim Fraser e Mark Robinson, treinador da equipe de desenvolvimento, são chaves para essa aproximação. A primeira janela de transferências de Boehly no comando, inclusive, demonstra que esse plano é central em seu projeto e ele não poupará esforços para concretizá-lo.
Falando de tática: o que esperar dos Blues a partir de agora
Um dos grandes desafios que Potter terá é fazer o meio campo do Chelsea voltar a funcionar, sendo essa questão essencial e primária para que a previsibilidade dos Blues acabe.
Antes de fazer a mudança para Londres, o inglês teve que se adaptar às perdas de peças centrais que os Seagulls tiveram na última janela de transferências, sobretudo de Neal Maupay, Yves Bissouma e Marc Cucurella, que voltará a jogar sob o comando de Potter no Chelsea. Em síntese, o treinador perdeu peças importantes em todos os setores do campo, porém, mesmo assim, conseguiu cinco vitórias nos primeiros sete jogos na temporada com o Brighton.
Sem dúvidas, o plantel do Chelsea é diferente, o momento entre os clubes também é diferente e será o primeiro jogo do treinador no comando da equipe. Portanto, o sucesso pode não se repetir de forma imediata. Entretanto, o cenário demonstra que o treinador foi objetivo em readaptar o time em meio às mudanças e, sobretudo, manter as performances em alto nível – duas coisas que serão centrais para a temporada dos Blues a partir de agora.
A busca por uma solução no meio de campo
Diante das ausências para a nova temporada, Potter promoveu uma grande mudança posicional de Alexis Mac Allister que passou de um “10” para um “6”, sendo o grande responsável por ditar a posse de bola do time. Tanto em distribuição como em ritmo.
Juntamente com o argentino, Caicedo se tornou o outro meio campista com uma função mais defensiva. Porém, sem que as qualidades de meia box-to-box do colombiano fossem minimizadas – ou seja, ele consegue manter sua mobilidade. Por fim, na faixa central do meio campo também estava Pascal Groß que, dentre os três no sistema, tinha maior mobilidade para descer ao ataque e participar ativamente das jogadas ofensivas.
É exatamente esse “6” que o Chelsea carece, com uma função tática parecida com a que Mac Alliseter vinha realizando sob o comando de Potter desde o início da temporada. Nesse sentido, os Blues foram buscar Denis Zakaria para realizar essa função, sobretudo, com a lesão de N’Golo Kanté e com Mateo Kovacic ainda em processo de recuperação.
Kovacic chegou a atuar em uma função tática parecida na última partida contra o Dínamo Zagreb. Mas o conjunto do Chelsea foi tão ruim que pareceu dar errado. Só que com outro esquema e sob táticas diferentes, pode ser que o camisa 8 funcione, de forma que Jorginho fica mais livre para de movimentar sem ter tanto o peso defensivo – que é um aspecto frágil do ítalo-brasileiro.
De modo similar a Jorginho, Ruben Loftus-Cheek funciona melhor quando pode se movimentar no campo e não tem a responsabilidade primária de defender. Em outras palavras, o camisa 12 possui certa qualidade defensiva, mas eu forte é a condução da bola em direção ao ataque precisando de liberdade para atuar melhor. Inclusive, com o inglês podendo atuar como um ala invertido, construindo de fora para dentro.
Carney Chukwuemeka é outro meia box-to-box que pode ter seu encaixe no Chelsea facilitado com a introdução de um meia de funções táticas mais defensivas. Enquanto Conor Gallagher se beneficiaria podendo atuar mais próximo dos homens de ataque e distribuir a bola perto da meta adversária, onde foi muito bem no Crystal Palace na temporada passada.
Tirando o peso das alas
Reece James, Ben Chilwell e mais recentemente Cucurella eram, sem dúvidas, os pilares da tática de Tuchel. O alemão preferia a construção pelas laterais e em muitas ocasiões, por conta da qualidade das peças disponíveis, elas davam certo. Contudo, se tornou uma tática batida e facilmente dificultada pelos adversários nas últimas semanas. Então, Potter terá de pensar maneiras de alterar, de certo modo, o funcionamento das alas.
No Brighton, o treinador também utilizava alas, com a grande diferença de que as mudanças de esquema recorrentes davam mais possibilidades para que os jogadores da posição atuassem de formas diferentes. Por exemplo, nas últimas temporadas, o esquema dos Seagulls flutuou, principalmente, entre o 3-4-2-1, o 3-5-2 e o 3-5-1-1. E com as mudanças na disposição do time em campo, a atuação dos alas vai se modificando.
Em suma, o Chelsea precisa acabar com a dependência em relação aos alas, mas mantendo-os como o elemento surpresa que pode trazer o jogo ao seu favor. Levando em conta os esquemas recentes utilizados por Potter e as possibilidades de atuação dos meias centrais que ele permite, o peso dos alas pode ser reduzido. Ainda mais considerando que os meias centrais podem ajudar na construção pelos lados.
Dessa forma, os alas mesmo podem também cair pelo meio, não ficando presos nas faixas laterais. Com essa movimentação, é mais fácil de abrir espaços no campo e, por consequência, de achá-los. Sem dúvidas, favorecendo a fluidez e a criatividade do time.
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Reflexos no ataque
Com mais fluidez no meio, o ataque também se torna mais fluido. Assim como se fortalece um jogo transicional para os Blues – ai sim, com os alas podendo ser a grande diferença e com mais efetividade.
Isso, no entanto, não significa que o aspecto posicional do jogo é deixado de lado. No Brighton, por exemplo, as constantes trocas entre Groß e Solly March pelo lado direito e entre Mac Allister e Caicedo pelo centro, dependendo de quem tem mais mobilidade ou não, ressaltam a a necessidade dos jogadores se ajustarem em campo dependendo da posição de seus companheiros.
Esse aspecto posicional também se fez insuficiente nas últimas partidas de Tuchel no comando, com o time ficando mal posicionado e, por consequência, não construindo com qualidade as jogadas de ataque. Enquanto que na defesa, por vezes, buracos apareciam, facilitando a chegada dos adversários.
Construção nos três terços do campo
Um aspecto que, com certeza, Potter continuará no Chelsea é a participação da defesa na construção das jogadas da equipe. Ainda mais se aproveitando das boas bolas longas de Thiago Silva. Mas também permitindo que os zagueiros laterais avancem mais no campo, acima de tudo, a partir das movimentações dos alas e das trocas entre os meio campistas.
Até a saída do treinador, os três zagueiros do Brighton, Joel Veltman, Lewis Dunk e Adam Webster, combinaram para mais de 60% de passes longos completados nas primeiras partidas desta temporada. De modo mais específico, grande parte desses passes sai em direção às laterais do campo, buscando os alas ou o ala invertido ou até mesmo um dos atacantes do time.
Essas bolas longas partindo da defesa já se mostraram como uma boa arma em tempos de Thomas Tuchel. Portanto, continuar com elas, sobretudo por ter um zagueiro com boa qualidade de passes desse tipo, é algo que faz muito sentido para os Blues no restante da temporada. Inclusive, as bolas longas podem servir como mais um instrumento para acelerar o jogo da equipe, permitindo as invertidas de lado e uma maior amplitude das jogadas. Mais uma vez, nesse cenário, os alas se fazem peças essenciais.
Além disso, com um dos meias exercendo a função de “6”, a defesa tem um apoio extra na saída de bola desde trás. Igualmente, Potter encoraja a participação do goleiro com os pés, de forma que o goleiro se movimenta e se posiciona para receber a bola – tanto para dar continuidade à jogada como para controlar a posse e reconstruir desde trás se necessário. Dessa maneira, sob o novo comandante, Kepa pode ter uma vantagem em relação a Edouard Mendy – que não tem os pés como forte.
Princípios defensivos
No comando do Brighton, Potter estabeleceu uma defesa agressiva, mas equilibrada. É uma espécie de defesa em zona que se movimenta de acordo com a troca de passes dos adversários. Desse modo, caso o jogador adversário se aproxime do marcador, essa marcação em zona se transforma em uma marcação mais próxima à individual. Enfim, se por um lado a defesa participa ativamente da construção das jogadas, os homens de frente também participam ativamente da defesa.
A grande questão que se mostrou uma fragilidade no Brighton de Potter e que de certa forma também era um ponto explorado no Chelsea de Tuchel, são as situações de transição do ataque adversário.
Voltando ao desenho defensivo do Brighton enquanto comandado pelo treinador inglês, com escapadas em velocidade dos oponentes, a marcação em zona fica completamente desorganizada e dá espaços para o ataque adversário. Com alas de certa mentalidade defensiva em James, Chilwell e Cucurella, Potter pode se aproveitar disso nessas situações e corrigir essa brecha que seu sistema, como implementado nos Seagulls, apresentou. Ou o novo treinador dos Blues pode se aproveitar disso para estabelecer novos princípios defensivos.
De qualquer forma, algumas fragilidades sempre se fazem presentes em certos jogos. No fim das contas, Potter terá de se atentar para o aspecto defensivo do Chelsea, que tem pecado bastante desde o final da última temporada, garantindo mais solidez nas performances do setor.
A tática do outro lado: o RB Salzburg de Matthias Jaissle
A base do esquema do RB Salzburg é um 4-4-2 que tem variações ao longo do jogo.
O time de Jaissle joga prezando pela velocidade e pela verticalidade, ou seja, buscando chegar a área adversária o mais rápido possível. Por isso, quando está no ataque o time reorganiza seu meio campo em um losango e avança seus laterais, formando uma espécie de 4-1-2-1-2.
Nesse sentido, um dos meias fica mais recuado, assumindo a função de “6” para apoiar mais na defesa enquanto os laterais descem ao ataque. Como resultado dessa reorganização, o time consegue explorar novos espaços do campo, assim como consegue maior amplitude para, no fim das contas, se aproveitar da profundidade do campo.
Portanto, o time prefere jogar no contra-ataque, inclusive, buscando realizar jogadas similares a contra-ataques mesmo estando com a posse de bola. Em outras palavras, o time busca acelerar o jogo a qualquer custo, com passes rápidos e bolas em profundidade. Dando certo é uma arma quase letal. Por outro lado, favorece a perda de posse de bola do time, que na semana passada contra o Milan, por exemplo, teve apenas 34% da posse de bola e 69% de precisão nos passes – números relativamente baixos.
Defensivamente, o time se comporta de forma muito agressiva e com linhas altas. Com isso, a rapidez também se faz importante na defesa, com o time buscando recuperar rápido a posse de bola e partir para o ataque. O time tem 58.8 pressões no seu terço de ataque e 89.5 pressões no terço do meio campo. Porém, caso essas pressões sejam superadas, o time adversário tende a encontrar bons espaços e criar boas chances de gol.
Vale lembrar que, há pouco tempo, o Chelsea enfrentou o Leeds que se comporta de forma parecida e encontrou muitas dificuldades para superar essa pressão. Então, será interessante observar a postura da equipe amanhã, visto que uma derrota pode complicar bastante os planos dos Blues na competição europeia.
UEFA Champions League
2ª rodada
Chelsea x RB Salzburg
Stamford Bridge
14 de setembro – 16h (horário de Brasília)
Transmissão: HBO Max
Lembrando que nesta quarta-feira, o Chelsea entre em campo, também, pela UEFA Youth League. Depois de um banho de água fria contra o Dínamo Zagreb na última terça-feira (6), Ed Brand e seus comandados enfrentam o RB Salzburg que são atuais os vice-campeões da competição em Kingsmeadow. A equipe sub-19 do clube austríaco opera de forma muito similar ao time principal e os erros defensivos dos Blues da última semana não podem se repetir caso queiram se manter vivos na competição.
UEFA Youth League
2ª rodada
Chelsea x RB Salzburg
Cobham Training Centre
14 de setembro – 9h (horário de Brasília)