Blog: a teoria do controle e do caos

Costa e Fàbregas deram ao Chelsea os elementos que faltaram na temporada passada (Foto: Getty Images)
Costa e Fàbregas deram ao Chelsea os elementos que faltaram na temporada passada (Foto: Getty Images)

Todos os estudiosos e especialistas em futebol concordam que um bom time moderno precisa ter dois elementos bem fundamentados para se tornar vencedor: o controle e o caos. Falando assim, parece até teoria filosófica ou política, mas é futebol mesmo, controle e caos.

Durante uma boa parte dos anos 90 e 2000, o futebol viveu um período em que jogadores tinham de ser especialistas em suas funções e ponto final. Um lateral era um bom lateral e tinha que saber exatamente e unicamente o que um lateral fazia. Um zagueiro cortava bola, por cima ou por baixo e pronto. Quantas vezes já não ouvimos “comentaristas” dizerem que zagueiro bom é zagueiro grosso, ou que goleiro não pode sair jogando. Ou também que meia que é meia não volta pra marcar. Ouvimos em programas especializados até mesmo que um atacante de qualidade ajudar na marcação é um “pecado”, um “desperdício”.

Por esse futebol industrial, por assim dizer, de muita força, obediência tática e pragmatismo, surgiram muitos jogadores especialistas em funções, mas houve pouco avanço para o futebol. Víamos um futebol duro, econômico e de pouco impacto até que em meados da última década o esporte mudou e hoje temos equipes mais orgânicas, com jogadores capazes de cumprir funções diferentes dentro de campo e times que funcionam como um todo e não como indivíduos agrupados.

E, nesta temporada, o Chelsea de José Mourinho conseguiu exatamente esta façanha: se formar com um time, como um organismo, que se comporta em campo como um corpo único. Com jogadores que sabem pensar para o time e jogar para o time e não o contrário e isso é uma evolução e tanto, que certamente é o fator mais determinante na conquista da Premier League.

O time de Mourinho em sua primeira passagem foi um dos primeiros a resgatar a filosofia de organismo, de conjunto e de equilíbrio em campo. Não era um time que tinha um craque genial e mundial, mas ao mesmo tempo não era um time medíocre e pragmático. Jogava bem, com dinamismo, participação de todos, ofensivamente e defensivamente e que sabia exatamente o que queria em campo sem precisar de um “cara” para decidir. O time tinha Lampard, Drogba, Robben, Duff e Joe Cole, mas não dependia exclusivamente de um deles para apresentar um bom futebol. A bola passava por todos os pés.

Durante muitas oportunidades, após a saída de Mourinho, em 2007, dependemos de fatores individuais para o sucesso em Stamford Bridge. Ficávamos a mercê de Lampard e Drogba para ter algum brilhantismo. Montava-se um time de “operários”, como Bosingwa, Mikel, Kalou, Alex, Malouda, Zhirkov, Raul Meireles, e esperava-se que eles segurassem o piano e passassem a bola sempre que possível para Lampard ou Drogba (ou um ou outro coadjuvante esporádico).

Deu certo em algumas campanhas, com a Champions League de 2012, o maior título de nossa história; mas o Chelsea sabia que não podia mais sobreviver dependendo apenas disso e foi atrás de montar um time, um elenco, que pudesse se adaptar ao futebol atual e que se tornasse competitivo.

Para isso, a partir da temporada 2012/2013, o Chelsea se desfez de um punhado (quase todos) dos operários (bons operários), e foi atrás de jogadores que pudessem construir um novo time. Chegaram Hazard, Azpilicueta, Oscar, Willian, Schürrle, que se juntaram a outros como Ramires, Lampard e Terry para mesclar experiência e juventude.

O time se mostrou promissor e com potencial talento, mas ainda faltava equilíbrio.

Lampard já não tinha capacidade física de cumprir uma função no meio de campo como antes, de marcar e armar, de estar no ataque e defesa ao mesmo tempo. Era preciso alguém para a função. No ataque, também não tínhamos um atacante que ajudasse Hazard e dividisse com o ele o papel de talento do grupo.

Faltava o controle e caos. Um meio de campo com Mikel, Ramires e Lampard era um bom meio de campo: marcador, forte e com saída de bola em potencial. Contudo, não era capaz de controlar o jogo, de ter a posse de bola e organizar o ataque em situações extremas, como quando os times jogam todos recuados. Este é o fator “controle”, que faltava.

Fernando Torres, Demba Ba e Eto’o eram bons atacantes, não eram brilhantes, mas não eram horríveis, sendo que dois deles já tinham passado de seus auges e o outro era aquilo mesmo. Faltava o fator “caos”, falta um matador, um diferencial, que se junta-se a Hazard e tocasse o terror nas defesas adversárias.

Hazard até o fez na temporada 2013/2014, mas sozinho. O time dependia demais de seu talento e muitas vezes o belga sentia, naturalmente, a pressão. Não dá pra decidir todo jogo, ainda mais sem ajuda, com toda a marcação adversária preocupada exclusivamente com você.

E é aí que entra a mão de Mourinho.

Primeiro ele foi atrás de Nemanja Matic. Trouxe de volta o volante que o Chelsea havia aberto mão em 2011 para ser o pilar do meio de campo. Fisicamente Matic é tão forte quanto Mikel, marca tão bem quanto o nigeriano, mas tem um diferencial, tem algo que poucos volantes “marcadores”, “pegadores” dos anos 2000 não tem: ele sabe ler o jogo e mais, executar esta leitura.

Matic é capaz de levantar a cabeça, mesmo ainda no campo de defesa, pressionado, avaliar as opções e fazer o melhor passe. Com isso, o time ganhou uma saída de bola, uma certa organização a partir de trás. Uma transição calma e cadenciada entre zagueiros e meias, que era praticamente inexistente.

Para Matic, Chelsea é o time a ser perseguido esse ano (Foto: Getty Images)
Matic, apesar do porte físico, é muito mais do que apenas um marcador (Foto: Getty Images)

Mas ainda era preciso um parceiro para Matic, que fizesse a segunda parte do trabalho. Que pensasse o terceiro passe, que pegasse a bola na linha do meio de campo e fosse capaz de infiltrar defesas adversárias. Era preciso um contraponto e equilíbrio a Matic.

Mikel não era capaz de fazer essa função, de ser um segundo volante e Ramires até o faz, mas mais em jogadas de velocidade. Ele marca bem e sai bem, mas não faz tão bem a função de pensar o jogo, e o time precisava disso, de passe. Colocar Matic como segundo volante era perder a capacidade dele de vir de trás.

Poucos jogadores cumprem esta função atualmente em campo e quando o fazem, como Toni Kroos, Xavi, Modric, Lahm, Schweinsteiger, são extremamente valorizados. Porém um deles não era, apesar do enorme talento e José Mourinho foi atrás dele: Cesc Fàbregas.

Depois de algumas temporadas deslocado em campo no Barcelona, sem atuar em sua posição de maior destaque, o Chelsea foi lá e o contratou. Era o par perfeito para Matic. Um volante cerebral, um jogador de boa leitura, visão e passe e capaz de jogar recuado, ajudando na marcação. É o volante moderno.

Com Matic e Fàbregas juntos, o time passou a dominar o fator “controle”. E controlar as partidas passa diretamente por um meio de campo equilibrado, mesmo quando não se tem a maior parte da posse de bola, como contra o Manchester United, em abril, quando vencemos por 1-0 mesmo com 37% da posse de bola. E mesmo com inferioridade de posse nessa partida, dá pra dizer tranquilamente que o time de Mourinho teve a partida sobre controle todo o tempo, já que o United não ofereceu perigo.

Fàbregas adicionou “controle” ao meio de campo dos Blues (Foto: Getty Images)

O time tinha no início da temporada passada Oscar e Willian, jogadores também modernos, muitas vezes criticados, principalmente pelos torcedores brasileiros, mas que são capazes de se adaptar em campo e cumprir bem tanto funções de defesa, quanto de transição e ataque. E agora tinham, atrás deles Matic e Fàbregas para compor, todos juntos, um meio de campo orgânico, em que não dá pra dizer exatamente a função específica de cada um deles. Matic não só defende, Fàbregas não apenas passa e Willian e Oscar não apenas recebem a bola no pé para atacar. Todos compõe uma mesma máquina que funciona a partir de todos.

E para completar os entornos deste meio de campo vivo, equilibrado, o time ainda contava com uma defesa sólida e laterais capazes de se adaptar bem a diversas situações de jogo. Ivanovic é um zagueiro de formação e cumpre, portanto, bem suas funções defensivas, mas pouco se lembram que, na atual temporada, ele tem seis gols e cinco assistências. Azpi, nem é preciso dizer, pode jogar nas duas laterais e várias vezes o vemos dando combate e roubando bola no meio de campo, salvando bolas na área e até mesmo funcionando como ponta cortando para dentro para ajudar na armação. O espanhol tem 85,8% de acertos de passe na temporada e média de 8 bolas roubadas ou afastadas por partida, uma das melhores médias da europa.

E quando uma maquina funciona bem no fator “controle”, é preciso um algo a mais: do fator “caos”. E Diego Costa trouxe isso para o Chelsea do jeito que só ele é capaz de fazer.

Ele não é só um bom finalizador, ele é um legitimo centro-avante, oportunista, brigador, capaz de encontrar uma brecha, um espaço e fazer disso o suficiente para decidir uma partida. Além de infernizar os adversários, de deixa-los sob pressão e ansiedade só por sua presença. Ao longo da temporada vimos dois ou mais defensores preocupados apenas com Diego, deixando espaços para outros aparecerem.

Mourinho encontrou em Diego Costa o fator "caos" que ele tanto cobrou na temporada passada (Foto: Getty Images)
Mourinho encontrou em Diego o fator “caos” que ele tanto cobrou dos atacantes na temporada passada (Foto: Getty Images)

Embora Eden Hazard tenha crescido na atual temporada pra se tornar um dos jogadores mais perigosos da Europa com seus dribles e movimentações, foi Diego Costa quem trouxe para o Chelsea uma presença significante dentro da área. Ele é de muitas maneiras o maior exemplo da próxima geração de atacantes. Mais do que apenas um goleador, o brasileiro naturalizado espanhol é capaz de ocupar espaços e funções diferentes dentro das defesas, com a sua força e movimentação, descartando a possibilidade de jogar apenas no um contra um, como fazem muitos atacantes, e preferindo o posicionamento e a abertura de espaços, o tempo todo procurando qualquer ângulo que puder dentro da área.

Ao longo das últimas duas temporadas, na Premier League e na La Liga, Diego marcou 46 gols, sendo que apenas um deles foi de fora da área. Costa possui ainda um dado espantoso: ele tem a melhor taxa de conversão de oportunidade dentro da grande área entre todos os atacantes na Europa que marcaram mais de 40 gols desde agosto de 2013. Ele balança as redes em 33,6% de suas oportunidades tentadas. Acima dos 30,3% de Cristiano Ronaldo; 30,8% de Zlatan Ibrahimovic; e 32,6% de Messi.

Ou seja, o fator “caos” que Diego trouxe, aliado ao talento inquestionável de Hazard, deu ao Chelsea um equilíbrio e imprevisibilidade no ataque que poucos times têm.

Com todos esses elementos aliados, vimos não apenas Mourinho construir um time vencedor, vimos uma qualidade, uma mentalidade, uma disciplina e um comportamento que fez do Chelsea uma equipe dominante na Inglaterra.

No gráfico abaixo, por exemplo, vemos como time melhorou em várias áreas distintas, como precisão no chute, assistências e divididas vencidas por partida, provando a melhora coletiva e por setor da equipe. Temos um time mais equilibrado, forte e ao mesmo tempo mais eficiente.

Chelsea evoluiu em todos os setores do jogo (Dados: Squawka Football)

Fàbregas e Costa são, respectivamente, “controle” e “caos” e, aliados a jogadores que os completam, como Matic e Hazard e a um time capaz de tomar decisões, de ler partidas e de se movimentar e se comportar de forma inteligente em campo, foram capaz de dar cada um a sua maneira, estes dois elementos que ilustram este texto para fazer do Chelsea uma equipe que tem tudo para estar no topo de Inglaterra por muitos anos.

Enquanto Costa trouxe 19 gols na Premier League, Fàbregas trouxe 18 assistências, números superiores ao recordista nos quesitos na temporada anterior, Eden Hazard, que tinha entregado sete assistências e 14 gols.

E com isso, o próprio Hazard teve espaço para melhorar seus números, já que tem, na atual temporada, os mesmos 14 gols e uma assistência a mais, mesmo fazendo, até o momento, dois jogos a menos do que na temporada passada.

Outros dados, como os de eficiência no ataque, também mostram evoluções significativas na atual temporada, provando que a adição de equilíbrio e decisão foram fundamentais na campanha do título:

Chelsea melhorou em todos os quesitos ofensivos (Dados: Barclays Premier League)
Chelsea melhorou em todos os quesitos ofensivos (Dados: Barclays Premier League)

O Chelsea como um todo cresceu com este equilíbrio de equipe, com este conjunto mais forte: são apenas três derrotas em 37 partidas, contra cinco na temporada passada. Isto porque uma das derrotas da atual campanha, contra o West Brom, na última segunda-feira, ocorreu após a confirmação do título.

É claro que o time ainda precisa de ajustes, principalmente no banco de reservas e em qualidade de jogadores para ocorrer rotação do grupo, visto que o Chelsea é a equipe que menos utilizou atletas na Premier League, 22, e é o time que mais começou com os mesmos 11 atletas e que menos fez substituições.

Contratar e reforçar o elenco é preciso, mas na atual temporada vimos um crescimento imenso e a adição destes dois fatores que fazem o futebol moderno tão complexo e dinâmico: “controle” e “caos”, a um grupo que já era bom e com isto se tornou um time, uma equipe, na verdadeira acepção da palavra. Este passo dado, e com sucesso, agora é esperar pelo futuro brilhante que este elenco tem pela frente.

Category: Chelsea Football Club

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Article by: Chelsea Brasil

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