*Texto originalmente publicado no ESPN FC Brasil, que fechou suas portas em maio de 2019
O futebol nacional da Inglaterra dos anos 80 era uma bagunça. Não havia Premier League, e, quando se fala de campeonatos locais europeus, lembramos da charmosa Serie A italiana, febre no Brasil daquela época devido ao grande êxodo de jogadores tupiniquins para o país de Juventus, Milan, Napoli, etc.
Voltando ao futebol inglês, os problemas do campeonato não se resumiam apenas ao que acontecia dentro dos gramados. Havia muita intolerância racial a ser combatida entre os clubes da Terra da Rainha. Um deles que tinha uma grande fama era o Chelsea, sendo impossível fechar os olhos e esconder o passado. Além do problema com o racismo, a atuação dos hooligans azul, os Headhunters, eram motivo de preocupação para o serviço de segurança britânico.
Atualmente, a roupagem da Premier League, existente há 26 anos, deu uma nova cara a todos os clubes que participam da liga mais competitiva do planeta. De maneira geral, podemos falar que não há mais intolerância racial nos estádios ingleses. Obviamente que idiotas sempre vão existir, como vimos há cerca de três anos quando torcedores do Chelsea cometeram atos racistas em Paris, quando os Blues jogaram a partida de ida contra o Paris Saint-Germain pelas oitavas de final da UEFA Champions League.
Os Headhunters também estão por aí, mas os incidentes são cada vez menores, devido a uma política de tolerância zero implementada nos estádios ingleses após a tragédia de Hillsborough, em 1989.
Contudo, antes que todo este cenário tivesse profundas mudanças, diversas vítimas raciais são encontradas e taxadas como personagens históricos. Um deles é Paul Canoville, o primeiro negro a jogar na história do Chelsea, contratado em 1981. Sua estreia ocorreu em 1982 contra o Crystal Palace, no Selhurst Park.
Paul foi vítima de atos racistas naquela época pelos próprios torcedores do Chelsea. Apesar de todos os problemas com alguns torcedores blues, que não aceitavam sua presença no time de Stamford Bridge, o winger ajudou os londrinos a se sagrarem campeões da segunda divisão nacional da época. Em 25 jogos, ele marcou sete gols.
Por email, tive o prazer de entrevistar esta personalidade marcante da história azul. Falamos sobre os episódios de racismo, sua importância para os jogadores negros subsequentes na história azul e também sobre o seu trabalho em programas educacionais, como a campanha Kick it Out, que é apoiada pelo Chelsea contra a discriminação e por um ambiente melhor para todos. Além de ser funcionário de Abramovich, Paul também tem a The Paul Canoville Foundation (Fundação Paul Canoville), que visa um futuro melhor.
Abaixo, você pode saber mais sobre Paul e lembre-se: se Didier Drogba nos deu o título europeu em 2012, é por causa deste homem entrevistado pelo Chelsea Brasil.
Rafael França: Em sua autobiografia Black and Blue, você disse que a violência e a discriminação eram presença marcante no futebol britânico dos anos 80. Como foi para você lidar com a mudança de ares para o Chelsea?
Paul Canoville: Embora o racismo fosse abundante nos anos 80, minha felicidade em se transferir superou qualquer negatividade. Foi muito parecido com se tornar pai. Eu estava animado em ter esta grande oportunidade com a chance de viver meu sonho. Não havia nada que pudesse diminuir meu entusiasmo ou positividade.
RF: Dentro de campo, você nos ajudou a subir para a primeira divisão da época. Como foi jogar no clube nesta época que o Chelsea não era o protagonista que é hoje?
PC: Foi uma oportunidade de vida, uma em um milhão. Eu estava eufórico, mas apreensivo após cada partida porque sabia que nem todos os torcedores do Chelsea naquela época gostaram da minha contratação ou da minha presença no gramado.
RF: Se você fosse um jogador na Premier League de hoje, seu estilo de jogo teria espaço no futebol atual? Ou o futebol mudou bastante?
PC: A natureza do futebol em si continuou a evoluir durante os anos. Meu estilo de futebol era relevante para aquela época. Agora, o futebol se tornou muito mais técnico.
RF: Como é para você, hoje, ser funcionário do Chelsea e ajudar o clube em programas educacionais, em especial a campanha ‘Kick it Out’?
PC: É reconfortante ver tanto apoio a uma autoridade reconhecida que pode ajudar jogadores que estão sofrendo experiências similares a minha. Além de trazer conhecimento para o clube, os torcedores e técnicos sobre qual é o comportamento certo e qual não é.
RF: O que você sente, hoje, quando vê que jogadores negros como Didier Drogba e Michael Essien foram vencedores e são respeitados e considerados lendas do clube no século XXI?
PC: Como o primeiro jogador negro da história a jogar no Chelsea, é um sentimento fantástico ver que estes ícones não são só respeitados, mas também aceitos. A minha dor não foi em vão. Isso mostra o quão longe o Chelsea chegou e como o apelo de fazer parte do time se espalhou dentro dos jogadores negros.
RF: O mundo hoje ainda é muito injusto com as pessoas negras. Que conselho você daria para os jovens brasileiros negros que sonham em ser jogadores bem-sucedidos?
PC: Meu conselho é focar no seu jogo porque haverá críticos e quem duvida de você. Mas você não deve acreditar ou se distrair com isto. O futebol agora oferece uma ampla base de apoio. Fale com o seu treinador, com o seu professor. Compartilhe o problema e se torne o jogador que você quer ser.