O Chelsea Brasil está fazendo uma série de textos especiais que antecedem o início da nova temporada da Premier League. O quinto é sobre o treinador. A cada dia um texto sobre o time londrino, jogadores do elenco e considerações sobre as melhores possibilidades para deixar o elenco dos Blues, ainda mais forte.
A temporada que se inicia na Inglaterra carrega uma expectativa que talvez seja a maior da história do futebol local, com elementos que tornam a Premier League, já conhecida como “a melhor liga do mundo”, de fato o melhor ambiente para o maior esporte do planeta! José Mourinho treinando outro clube na Inglaterra (lembra que Lampard foi considerado traidor por jogar no City?), Pep Guardiola no outro time de Manchester, Jurgen Klopp em Liverpool, o já conhecido e hoje uma interrogação Wenger no Arsenal e também nomes interessantes como o campeão Ranieri no Leicester, Pochettino no Tottenham e Koeman no Everton.
Mas para nós o nome mais interessante e talvez o mais cercado por expectativas em muitos anos em Londres é o de Antonio Conte. Não pelo peso que carrega um Mourinho ou um Guardiola, mas pelo contexto do clube, que fez a última temporada desastrosa, e também pela oportunidade para que o italiano, que veio demonstrando nos últimos anos um potencial enorme, dar um passo a mais para ser um nome tão forte como os outros. Talento e capacidade como treinador nós sabemos que Conte tem, basta ver o trabalho tático, estratégico e de montagem de grupo que ele magistralmente realizou na Itália até a Euro 2016. Porém Il Martello tem mais que isso, mais do que sua visão tática e sua liderança à beira da do campo: Conte tem um espírito e uma veia vencedora, de sucesso. Você deve estar pensando aqui nos três campeonatos italianos seguidos guiando a Juventus, mas a história dele como um vitorioso nato vem de bem antes, ainda como jogador.
Leia também: Início do trabalho de Conte no Chelsea reforça a volta de valores morais e éticos
Como um meio-campista combativo e versátil, jogando em mais de uma posição no centro, Conte começou sua caminhada no Lecce, onde passou os primeiros seis anos de sua carreira se tornando um dos principais jogadores do clube de sua juventude. Em 1991 o jovem Conte rumou a Juventus, onde jogaria por 13 anos, até o fim de sua carreira. Em Turim ele se tornou um dos jogadores mais condecorados e influentes da história do clube, sendo capitão e sinônimo de luta e entrega que fizeram dele um dos jogadores símbolos de uma geração vitoriosa, que tinha Alessandro Del Piero como grande craque; sendo que anos depois, Conte viria a treina Del Piero em seu primeiro ano como comandante da Juve. Conte se destacou ao longo de sua carreira em Turim devido à sua persistência, entrega e liderança, traços que ainda hoje mostra à beirada do campo. Com a Velha Senhora ele venceu a UEFA Champions League de 1995/1996, bem como 5 títulos da Serie A, entre outras honrarias, como uma Copa Itália, uma Supercopa Européia e um Mundial de Clubes.
Conte também jogou na Seleção Italiana e foi um dos integrantes da Azzurra na Copa do Mundo de 1994 e também na Eurocopa de 2000, onde, em ambas as ocasiões, os italianos foram vice campeões. Na Seleção nunca foi protagonista, entretanto.
Após se aposentar na Juventus, em 2004, Conte logo buscou dar os primeiros passos em sua nova carreira de treinador. Sua inteligência nos tempos de jogador e seu papel tanto como destruidor quanto como articulador ajudariam o italiano a formular um pensamento tático que passaria necessariamente pelo controle das partidas. Outro ponto em comum entre seu estilo enquanto treinador e sua carreira de jogador é a intensidade, que permeou todos seus trabalhos até o momento, e que ficou muito evidente nas aulas táticas dadas durante a Eurocopa, principalmente nas vitórias contra Bélgica e Espanha, onde exatamente a intensidade e o plano de jogo de Conte venceram equipes claramente superiores.
E enfrentar adversidades parece a tônica da carreira do treinador, que começou em times menores da Itália antes de chegar à Juventus. Seu primeiro trabalho foi um ano após encerrar a carreira, como assistente de Paolo Di Canio no Siena, em 2005-2006. Nesta temporada, o trabalho era livrar o time do rebaixamento, o que eles conseguiram ao terminar em 17º, que depois se tornaria um 15º devido às punições de Juventus e Lazio.
Na temporada seguinte Conte foi treinador do Arezzo, da Serie B, que começou o campeonato com 6 pontos deduzidos pela participação no Calciopoli. Após 5 empates e 4 derrotas nos primeiros 9 jogos o Arezzo permaneceu na última colocação, com menos um ponto. Com isso Conte foi demitido em 31 de outubro de 2006; mas recontratado em 13 de março de 2007, conseguindo 24 pontos em seus últimos 10 jogos, conseguindo livrar o time do rebaixamento e subir várias posições na tabela, tanto que se não fosse os seis pontos negativos no inicio do campeonato, o Arezzo teria conseguido a promoção.
Já em 28 de dezembro de 2007 ele se tornou o novo treinador do Bari, seu segundo time seguido na Série B, após a renúncia de Giuseppe Materazzi. Obteve a salvação do rebaixamento e avanço de ao meio da tabela, além de vencer o clássico contra o Lecce, causando atrito entre os fãs de Salento, já que no Lecce Conte é considerado um ídolo.
Para a temporada 2008-2009 ele continuou comandando o Bari na Serie B. E conseguindo comandar a equipe desde o início da temporada, Conte implantou um 4-2-4 com montagem bastante ofensiva pelas pontas como ponto forte. As táticas ousadas para os padrões italianos fez sucesso imediato e garantiu o topo da tabela e o acesso após oito anos sem promoção à Serie A. O domínio do Bari foi tamanho que o acesso foi garantido com quatro rodadas de antecedência. Foi a primeira vez que o treinador Conte chamava atenção do futebol italiano, que passou a ver ele como esperança para o futuro da Série A. A princípio Conte renovou com o time para a disputa da primeira divisão, mas rescindiu apenas três semanas depois devido à divergências com a diretoria, principalmente quanto a contratações. E este é um traço a ser ressaltado no trabalho de Conte: ele só aceita um posto se tiver autonomia total.
Depois de quase três meses após deixar o Bari, em 21 de setembro de 2009, Conte treina seu primeiro time na Serie A, a Atalanta, substituindo o demitido Angelo Gregucci. Porém depois de obter 13 pontos em 13 jogos (3 vitórias, 4 empates, 6 derrotas), renuncia 07 de janeiro de 2010 após derrota em casa contra o Napoli. Em 23 de maio de 2010, ele tornou-se treinador do Siena recém-rebaixado. Com o time Toscano ele alcançou o 2º lugar no campeonato, conseguindo promoção direta para a Série A, o segundo de sua carreira, e novamente com um futebol vistoso.
Na temporada seguinte, após aplicar no Siena táticas ofensivas que deram a ele notoriedade, Conte surpreendente é anunciado como treinador da Juventus. Mesmo com a campanha ruim da temporada anterior, terminando em sétimo lugar, o posto foi considerado um passo enorme na carreira do treinador e muitos questionaram se ele conseguiria se manter por muito tempo no cargo, já que sua experiência anterior na Série A não tinha sido um sucesso e seus principais (e poucos) trabalhos haviam sido na Série B.
Entretanto, sua passagem foi talvez a mais marcante do futebol italiano dos últimos tempos, com a Juve de Conte reinando no cenário local e revolucionando a maneira como o futebol italiano como um todo é jogado. Ao contrário do 4-2-4 e do 4-3-3 que costumava aplicar em suas equipes anteriores, o treinador aplicou um 3-5-2 (que na prática era um 3-5-1-1), que trouxe à vida a principal linha defensiva do futebol mundial nos últimos anos: o trio Barzagli, Bonucci e Chiellini.
Leia também: Análise Tática: A versatilidade de Antonio Conte
Seu papel nos três títulos italianos seguidos foi mais que direto, foi fundamental. Não apenas pela implantação de movimentação tática e de uma mentalidade vencedora que passava diretamente pela entrega e intensidade deixadas em campo. Conte teve papel decisivo também na montagem do elenco, com contratações decisivas e que construíram, ao longo de seu trabalho de três temporadas, um elenco equilibrado e sólido mesmo sem o poder de investimento de outros gigantes europeus. Nomes como Lichsteiner, Barzagli, Evra, Arturo Vidal, Pogba e Carlos Tevez, foram indicações do treinador e construíram a base da equipe que ainda hoje reina no futebol italiano.
O impacto de Conte foi tamanho que o primeiro do três títulos da Juventus no Calcio trouxe realizações notáveis como a melhor defesa da competição, melhor saldo e segundo maior número de gols marcados. Além disso a Juve se tornou o primeiro clube a terminar o campeonato de maneira invicta em um formato de temporada de 38 jogos. Outro dado importante e que passa muitas vezes desapercebido é que a equipe teve também a melhor distribuição de gols pelo elenco, com incríveis vinte jogadores contribuindo para os 68 gols marcados, sendo que mais da metade vieram do meio-campo e defesa.
E isso são bons sinais para a temporada que se inicia em Stamford Bridge, já que equilíbrio e intensidade é uma palavra que desapareceu do dicionário azul na última temporada. Para alcançar sua identidade tão marcante, Conte, em sua primeira entrevista já deu o caminho até ela ao afirmar que “só acredita no trabalho”. E desde então é o que tem feito, com dois turnos diários de treinamento, limitações alimentares, palestras e conversas individualmente com jogadores. Conte já tem demonstrado a intensidade, a preocupação com os detalhes do jogo (ele já falou sobre a evolução e até fez críticas ao comportamento da equipe em campo mesmo ainda em pré-temporada) e isso nos dá a esperança de um time com seu espírito já desde as primeiras rodadas.
Inclusive, nosso amigo Murillo Moret, responsável pelo blog da Juve no ESPN FC e grande conhecedor da história bianconera, nos falou em primeira mão sobre Conte e seu destaque foi exatamente sobre o trabalho e o perfeccionismo de Conte:
“Conte sabe como trabalhar com atletas fora de campo. Ele é um motivador. Além disso, é um obcecado por detalhes. Todas as jogadas realizadas nas partidas são treinadas à exaustão durante a semana. Como aconteceu, por exemplo, no gol de Giaccherini na estreia da Itália na Euro 2016.
Posso dizer que Conte segue à risca aquela máxima de ‘jogo é uma continuação do treino’. E isso, por vezes, tira o brilho, o lapso de criatividade que Hazard, em tese, pode ter simplesmente por não obedecer um objetivo maior. “
A fala de Moret é interessante pois ressalta o que já esperamos de Conte mas também nos deixa curiosos para saber como ele lidará pela primeira vez com o elenco recheado (nem tanto) de jogadores talentosos e técnicos, coisa que nunca havia acontecido antes, já que a tônica de sua carreira, como já dito, sempre foi as adversidades, as limitações técnicas de seu elenco, que o obrigavam a compensar com aspectos táticos bem definidos e que acabavam tendo de ser diferencial de suas equipes, para compensar muitas vezes uma falta de qualidade.
A questão agora é como ele vai equilibrar seus padrões e estratégias de jogo com jogadores como Hazard, Fàbregas, Willian, Pedro. Se ele conseguirá dar a firmeza tática que caracteriza seus trabalhos e ainda deixar espaços para os talentos fazerem a diferença. Se Conte conseguir esta façanha, voltaremos a ter um time competitivo. Elenco minimamente qualificado ele terá, resta saber como ele vai lidar.
“No Chelsea, Conte terá, pela primeira vez, a Ferrari que ele tanto deseja. Lembra que ele reclamou que a diretoria da Juve não abria a carteira para contratar grandes (mesmo que o adjetivo não represente uma verdade absoluta) jogadores? Não será um problema tão grande em Londres, convenhamos.”
Moret destaca nosso elenco como Ferrari, mas a verdade é que terminamos a temporada passada visivelmente precisando qualificar o elenco, coisa que Conte já tem tentado fazer aos poucos e com cuidado ao longo desta janela de transferências. O Chelsea já “abriu a carteira” para trazer Michy Batshuayi e N’Golo Kanté, por 30 milhões de libras cada, e ainda mira a contratação de outras peças como um atacante (Lukaku?) e um zagueiro (Koulibaly), além de possíveis laterais. Realmente não parece que haverá problemas entre desejos do treinador e investimento da diretoria, e a autonomia dada (ou exigida) faz do Chelsea um time que tem atirado apenas para acertar, sem contratações arriscadas ou questionáveis, como em outros períodos. E pelo trabalho que ele demonstrou na Juve e na Itália em questão de montagem de um elenco equilibrado, podemos esperar que caso cheguem mais contratações, que sejam dentro do planejamento de trabalho do treinador, sem acontecer como há um ano, quando Mourinho afirmou que “nem conhecia” Papy Djolobodji, ou que não havia pedido Baba Rahman, mas que confiava na Diretoria.
Esta característica de controlar seu trabalho pode ser benéfica (e muito) dada a falta de confiança que temos em Emenalo e na diretoria. Agora é confiar em Conte, que ele faça mesmo o “melhor traje possível para a equipe”, como prometeu em sua primeira coletiva como treinador azul. E já temos sinais disso: seu 4-2-4 (que varia para um 4-3-3 ou 4-4-2 ou até mesmo um 4-2-3-1 dependendo das circunstâncias) já causou surpresa para quem esperava uma linha de três zagueiros ou um sistema que priorizasse aspectos defensivos.
Na segunda-feira começa uma nova fase para o Chelsea e também também para Antonio Conte. Ambos tem a chance de juntos dar um salto em suas histórias, e este momento de reconstrução em Londres é solo fértil para o italiano semear suas idéias, assim como fez na Juventus cinco anos atrás. Resta saber se a semente de Il Martello vai florescer em um ambiente que tem sido tão nebuloso para treinadores e suas idéias. Fica nossa torcida por Conte e seus comandados!
Veja também as outras partes do nosso Guia: Chelsea na EPL: Guia da temporada 2016/17