José Mourinho está experimentando nesta temporada pelo Chelsea talvez o seu pior momento como um treinador de elite, talvez até pior que seus piores dias no Real Madrid, na decadente temporada de 2012/2013. E se o sucesso do clube na temporada passada passou diretamente pelo brilhante português, o insucesso desta também passa pelas mãos do treinador.
Os níveis de concentração, organização, intensidade e paciência com o jogo, que foram a base sobre a qual o Chelsea ganhou a Premier League na temporada passada, parecem ter magicamente sumido, num período de pouco mais de dois meses após a aclamada conquista. Contudo, o que poucos notaram é que já lá atrás, durante o sucesso da temporada passada, os Blues já mostravam que podiam balançar a qualquer momento.
Não se engane, o péssimo futebol deste início de temporada não é um fato isolado, fruto de alguma rusga de vestiário, algum desentendimento ou fator externo. É fruto de toda uma construção, que já dava sinais de estar acontecendo na temporada passada.
Porém, para entender melhor a situação, nós voltaremos um pouco antes no tempo, no início da temporada 2013/2014, com a chegada de José Mourinho.
O treinador retornou ao Chelsea após um final de passagem frustrante no Real Madrid, onde colheu polêmicas, clima desagradável no vestiário e um anacronismo da própria maneira de jogar do clube, que não soube estar à altura de suas peças, de seu elenco.
Ele retornou ao Chelsea precisando se reinventar e o próprio clube precisa de alguém guiasse a própria reinvenção de um time, que se despedia aos poucos de uma geração para dar ares à outra. O clube tinha jovens jogadores mesclados com alguns velhos conhecidos e agora um treinador de ponta. Uma composição digna das conquistas do clube na temporada passada.
Foi entregue nas mãos de Mourinho um elenco recheado de grandes opções, que ele tratou de ainda decorar mais. Para o início da temporada, parecia que o Chelsea tinha uma base formada por grandes opções, e realmente tinha. José Mourinho, entretanto, começou a pecar pelo seu pior (um dos poucos) defeito: o pragmatismo. E aqui não digo apenas na forma de jogar, mas na forma como ele encara o elenco, os jogadores e as alternativas que ele tem em mão.
Em entrevista ao The Independent, no início desta temporada, Mourinho chegou a dizer que era capaz de avaliar completamente um jogador com apenas dez minutos de observação nos treinamentos. Isto porque Mou tende a valorizar demais a “entrega” de um jogador, seu empenho. Na mesma entrevista o treinador disse que “alguns jogadores não mostram ter estômago para jogar em um grande clube como o Chelsea”.
Bom, se baseando nestes princípios, Mourinho abriu mão de alguns jogadores, como Juan Mata, Kevin de Bruyne, Romelu Lukaku e posteriormente André Schürrle e Thorgan Hazard. Bem como deixou sair por empréstimo outros como Tomas Kalas, Marco Van Ginkel, Patrick Bamford, entre outros bons talentos.
José Mourinho se prendeu demais a estes princípios, a ponto de dispensar grandes opções para o meio de campo, por exemplo. Isso o fez confiar em poucos jogadores do elenco, o que o levou a jogar praticamente duas temporadas sem nenhum sistema de rotação, sem dar chances aos jogadores e sem mudar o time titular.
Mata e de Bruyne, por exemplo, assim como Schürrle posteriormente, foram embora por falta de chances, assim como Juan Cuadrado, que chegou e mal jogou. Mourinho se prendeu a 11 titulares e tornou o time do Chelsea previsível, além de desmanchar, em partes, um elenco que tinha tudo para ser reinante, cheio de opções.
Na temporada passada o Chelsea foi o time que menos utilizou jogadores na Premier League: 22 jogadores. Isto contando Nathan Aké, Dominic Solanke, Andre Schürrle, Mohamed Salah, Juan Cuadrado e Ruben Loftus-Cheek, que praticamente não jogaram na temporada. Sendo assim, na realidade, José Mourinho jogou com apenas 16 jogadores a temporada inteira, lembrando que dois deles são goleiros, então, foram apenas 14 jogadores de linhas utilizados com frequência.
Nada natural para o futebol moderno e para um grande clube europeu, que normalmente, e naturalmente, se apoiam em sistema de rotações de jogadores, tanto para descansar suas estrelas, quanto para dar chances maiores a grandes atletas que nem sempre ficam entre os titulares.
Todos nós cansamos de ouvir isso nos últimos anos: “Temos um elenco de 22 titulares”. Mas o Chelsea das últimas temporadas, podemos dizer, tinha “um elenco de 11 titulares.” John Terry, por exemplo, no auge de seus 34 anos, jogou todos os 38 jogos da Premier League na temporada passada. Somando todas as competições foram 49 jogos para o capitão, número impensado para o jogador de tal idade.
O Bayern de Munique de Guardiola teve 22 jogadores de linha com mais de dez aparições como titular na temporada passada. O Barcelona teve 17. O Real Madrid 21. Sabe quantos jogadores de linha do Chelsea tiveram mais de dez jogos como titular na temporada passada? Dez! Exatamente. Dez jogadores. Conte Courtois e eventualmente Cech e tivemos praticamente o mesmo time em todos os jogos.
Não dá pra mentir – muitos são os benefícios de um time titular que joga sempre junto, consistente, com um padrão de jogo resolvido. Menos mudanças tendem a ajudar a construir a química entre os atletas e a aguçar o sentido de solidariedade, tanto porque o time passa a se sentir uma unidade, quanto porque os jogadores tem consciência de quais são as maiores habilidades e limitações de cada um, jogando junto a semana toda.
Porém, a falta de inventividade tática e de rotação de Mourinho foram determinantes para que o time se tornasse não só previsível, mas também cansado ao longo da temporada e principalmente no início desta. O time se tornou sem alternativas e engessado. E o fato de que Mourinho dispensou peças de reposição por não vê-los com “estômago para jogar no Chelsea”, retirou até mesmo a chance de mudar caso ele quisesse. Se em algum momento ele olhou para o banco, Mata, De Bruyne, Lukaku e Schürrle não estavam mais ali para lhe dar uma opção.
Vale lembrar que Mou não quis renovar com Lampard porque com a chegada de Fàbregas, pois ele imaginou que deixaria Lamps insatisfeito por ficar muito no banco, ou seja, era plano de Mourinho desde o início a pouca rotação do elenco. Caso contrário, não faria mal algum ter ambos no elenco e dar um descanso a Fàbregas em alguns momentos. E o espanhol não teve, não havia alternativa a ele no elenco (até tinha Loftus-Cheek e Aké, mas Mou tende a não confiar em jovens, infelizmente). E a falta de descanso fez mal a Fàbregas. Se ele teve 19 assistências na primeira metade de temporada, foram apenas cinco na segunda, mostrando uma queda considerável de rendimento que, querendo ou não, tem a ver com o fato de que Cesc jogou 51 jogos na temporada, 50 como titular.
Em contraponto, por exemplo, Aké fez quatro jogos na temporada, dois como titular e Loftus-Cheek apensa dois jogos na temporada, um como titular. E o Chelsea tem, além disso, um jovem jogador que faz exatamente a função de Fàbregas, e que poderia integrar o elenco para ganhar experiência em grande nível e dar um descanso ao espanhol: o holandês Marco Van Ginkel, que já provou seu grande talento. Teria sido melhor para o desenvolvimento do jovem atleta uma permanência e uma rotação com Cesc.
Isto tudo fez com que a forma dos Blues caíssem já na metade de temporada passada, com atuações apenas regulares nos últimos meses da campanha. O Chelsea foi de um time que jogava bem e bonito para um esquadrão que vencia os jogos com um futebol ruim e que dependia do talento de Eden Hazard para garantir que a gordura acumulada na primeira metade da temporada os levasse ao título.
E Hazard assim o fez, jogando praticamente sozinho nos últimos seis meses da temporada, mas até mesmo o talento do belga tem limites e, nesta temporada, melhor marcado, e cercado de um time engessado e pouco inventivo, até o camisa 10 desapareceu. E como Mourinho tende a pegar exageradamente no pé de jogadores talentosos, Hazard foi parar no banco de reservas contra o Porto, por exemplo, já que Mou tende a acreditar que mesmo com um time apático eles têm a obrigação de jogar acima da média (o que nem sempre é possível, nem deveríamos exigir isto deles).
Mas também não é hora para defendermos uma demissão de Mourinho. O Chelsea tem que se ater a seu grandíssimo treinador, mas é hora de o português deixar a teimosia de lado, abrir a cabeça e começar a pensar alternativas para sua equipe, seja tática, seja de jogadores.
Mou tem que passar a usar mais os garotos da base, manter eles no elenco e passar a utilizar também mais os reservas. E isto passa por contratar jogadores para certas posições carentes, como o meio de campo e alas, coisa que ele não faz, visto que não pretende usar. O Chelsea precisa de mais opções ofensivas e que elas sejam usadas.
Jogamos fora Juan Mata e Kevin de Bruyne, que agora brilham por rivais, e que poderiam ser grandes alternativas para a rotação do elenco agora. Isto tem que acender um sinal na cabeça de Mourinho para aproveitar melhor seus talentos.
Mou tem que, finalmente, rodar os jogadores, dar chances a nomes como Baba Rahman, Kurt Zouma, Loftus-Cheek, Bertrand Traoré, Kenedy e Loic Rèmy, que estão no elenco. Além de outros como outros como Tomas Kalas, Dominic Solanke, Lewis Baker, Marco Van Ginkel, Charly Musonda e principalmente Patrick Bamford.
Integrando melhor todos estes jogadores e criando um elenco vivo, que gire, em que todos joguem, até mesmo jogadores como Oscar, que normalmente é sobrecarregado na armação, Fàbregas, Matic, Hazard e Diego Costa, terão mais chances de brilhar em momentos decisivos da temporada, quando estarão não só mais descansados, mas também mais acostumados a jogadores e formas diferentes de jogar.
Mou precisa se reinventar. Precisa criar variações táticas, testar novos jogadores, refrescar o time titular. E isso já passou da hora.
As palavras contidas nessa reportagem condizem à opinião do autor, não tendo qualquer relação com o Chelsea Brasil