O ge usou sua conta no Twitter para escrever um pouco sobre a situação do Chelsea. Bom, tenho certeza de que essa era a intenção inicial do responsável pelo post. Porém, no fim das contas, a sequência de quatro tweets do ge acabou parecendo mais uma opinião (rasa) do que uma exposição ou análise de fatos.
“Acumulando lesões e derrotas, Chelsea gasta desesperadamente e seca lágrimas com dinheiro“, foi assim que um dos maiores e mais populares portais esportivos do país começou sua “análise” sobre a temporada dos Blues e seguiram, “Com sete derrotas em 11 jogos e dez lesionados, estratégia do dono do clube é afobada. Demitiu Tuchel no início e bate recorde de transferências em jogadores que não mudam time de patamar“.
O momento do time é ruim, de fato. Mas, nos bastidores, o clube vêm se atualizando no cenário global do futebol contemporâneo e montando uma das melhores equipes de diretores do futebol mundial. Desespero vejo muito do lado dos rivais, e de alguns torcedores que terão mais dificuldade em abandonar o imediatismo que vinha sendo pregado no clube nos últimos anos da era Abramovich.
Gostem ou não do que está acontecendo, hoje, ainda é só o começo de um novo capítulo da história do clube. O que envolve não apenas trabalhar com o que temos no presente e olhar para o futuro, como também lidar com algumas coisas que ficaram do passado.
O panorama do elenco atual
Antes de fazer qualquer crítica ao trabalho e ao momento do Chelsea é preciso olhar um pouco pra trás. Mais especificamente para 2012, quando começou a formação do elenco atual. Em agosto daquele ano, César Azpilicueta chegou a Londres, sendo um dos importantes reforços que Roberto Di Matteo ganharia para seu elenco recém-campeão da Europa.
N’Golo Kanté, por sua vez, é o segundo jogador do elenco atual com mais tempo de casa, chegando ao clube em 2016, enquanto Antonio Conte era o comandante do clube. Com a chegada de Maurizio Sarri e para suprir algumas vagas no elenco, novos nomes chegaram ao Chelsea para a temporada 2018/19: Jorginho, Kepa, Christian Pulisic (comprado em janeiro de 2019, mas integrando o elenco dos Blues apenas em julho do mesmo ano) e Mateo Kovacic (empréstimo com opção de compra exercida).
Depois das passagens dos italianos, Frank Lampard assumiu o comando do time. Passadas as janelas de transferências em que os Blues não puderam contratar, Lampard coordenou junto à antiga diretoria a janela de transferências de verão em 2020, na qual chegaram: Hakim Ziyech, Ben Chilwell, Thiago Silva, Kai Havertz e Edouard Mendy.
Em janeiro de 2021, nem seis meses depois da chegada desses reforços, Lampard foi demitido e Thomas Tuchel assumiu a equipe. Em seu tempo como treinador do Chelsea, o alemão esteve à frente de três janelas de transferências nas quais chegaram: Marcus Bettinelli, Kalidou Koulibaly, Gabriel Slonina, Carney Chukwuemeka, Marc Cucurella, Wesley Fofana, Raheem Sterling, Pierre-Emerick Aubameyang e Denis Zakaria (por empréstimo).
Isso tudo sem contar os inúmeros jogadores que pertencem ao clube mas que foram emprestados nesta temporada. Enfim, temos alguns jogadores do elenco do Chelsea que foram formados nas categorias de base do clube, eventualmente, tendo a chance de subir ao profissional: Ruben Loftus-Cheek (2015); Mason Mount e Reece James (2019); Trevoh Chalobah (2021); Conor Gallagher, Armando Broja, Lewis Hall, Bashir Humphreys e Omari Hutchinson (2022).
Potter entra na equação
Graham Potter assumiu o comando do Chelsea formado pelos jogadores acima citados. Resumindo as informações acima, são 27 jogadores que chegaram ao clube em momentos diferentes nos quais o time estava sob o comando de outro treinador. Aqui, tirando o mérito se foi a antiga política de contratação por oportunidade ou se foi propriamente um pedido do treinador.
Mais ainda, neste período de pouco mais 10 anos em questão, foram 10 treinadores diferentes no Chelsea, já contando com Graham Potter. E aproveitando a brecha, vamos introduzir ele no debate.
A atual janela de inverno é a primeira de Potter no comando, assim como marca o início do trabalho do novo corpo de diretores de futebol do clube, com destaque para Christopher Vivell e Paul Winstanley até aqui (com outros nomes ainda por desembarcar em Londres). Além disso, é a primeira janela em que clube faz contratações no perfil que Boehly defendeu para o Chelsea dos próximos anos.
Ou seja, contratações jovens que estejam entre as próximas grandes estrelas do futebol mundial, sendo elas, até aqui (dia 18 de janeiro): David Datro Fofana, Benoit Badiashile, Andrey Santos, João Félix (por empréstimo) e Mykhaylo Mudryk. Tudo isso, com a anuência de Potter. A partir de agora, finalmente, o clube tem as bases para desenvolver seu projeto. Que foi em última instância a razão pela qual Tuchel deixou o comando do clube.
Tuchel faria diferente?
O ge chama a estratégia do novo dono de “afobada”, tomando como foco principal a demissão de Tuchel e o elevado número de contratações. Nos voltemos ao mais simples primeiro, o número de contratações é elevado porque os erros do clube no passado foram elevados. Em especial no que diz respeito à formação do elenco que, além de ser uma colcha de retalhos em termos de necessidade, é um elenco historicamente construído para o presente.
Roman Abramovich transformou o Chelsea em um dos clubes mais vencedores da Europa neste século. E, acreditem ou não, o início de passagem do russo também foi conturbado. Houve alguns erros até que Abramovich contratou um tal de José Mourinho para comandar o time e, bom, o resto é história.
Mas o foco aqui é outro. Porque Abramovich trouxe muito de bom ao clube, porém, também foi um dos grandes responsáveis por bancar o imediatismo que se instaurou nos Blues de forma que, se um treinador não tivesse bons resultados, ele seria demitido. Não importa quanto tempo tinha no Chelsea.
Da mesma forma, uma coisa ficou evidente durante os anos do russo como proprietário do clube: o vestiário tinha muito poder. Isso porque muito dinheiro também foi gasto pelo russo para fortalecer o Chelsea, tanto dinheiro que em última instância os jogadores ditavam, em algum grau, o trabalho da comissão técnica. Sendo assim, quando faíscas eram trocadas no vestiário, o treinador sempre caía, enquanto os jogadores “problema” seguiam no elenco. Como caso emblemático disso temos Conte, hoje comandante do Tottenham. E é esse ciclo que Boehly e seu corpo de diretores quer quebrar.
Então, é bastante irônico serem chamados de afobados dado o contexto, já que é com a afobação que querem acabar no clube. Nesse caso, o contexto sendo: a venda de um enorme clube de futebol em tempo recorde que demandou uma restruturação do corpo de diretores, isso tudo, ainda precisando lidar com questões burocráticas para que o Chelsea pudesse chegar bem para a temporada 2022/23.
A mudança no comando
Parte do chegar bem para a temporada significou entender do que o clube precisava, o que aconteceu aos poucos. A venda do Chelsea se deu rapidamente, mas os desdobramentos internos não se deram na mesma velocidade.
Ainda assim, não demorou muito para que os novos proprietários percebessem algumas falhas e insuficiências na gestão do clube. Desde a pré-temporada, já era evidente um certo desgaste de Tuchel. Até então, parecia ser um desgaste em relação a jogadores no plantel, algo que o alemão nunca escondeu. Porém, haveria coisas a mais nessa situação que viriam a público não muito tempo depois.
Com necessidades evidentes no plantel, o alemão demandou muitas contratações à nova diretoria e, acatando as demandas do treinador, assim foi feito e muitos milhões foram gastos. O que pode fazer parecer sem sentido sua demissão pouco mais de um mês depois. Mas vamos com calma.
As pedidas últimas de Tuchel
Chegaram na última janela de verão europeu, a última do alemão no comando: Slonina, Chukwuemeka, Fofana, Cucurella, Sterling, Koulibaly, Aubameyang e Zakaria.
Slonina e Chukwuemeka são apostas para o futuro, sem dúvidas, que foram contratadas com aval e recomendação de Neil Bath, que recentemente foi promovido a Diretor de Desenvolvimento e Operações de Futebol, mas que por décadas foi o “número 1” da hierarquia da academia do clube.
Retomando a nota do ge rapidamente, na sequência do trecho apresentado no início deste texto, temos: “Os Blues bateram o recorde de investimento em uma temporada, com compras como a de 80 milhões de euros no zagueiro Wesley Fofana, que disputou apenas 12 jogos pelo Leicester na temporada passada por conta de uma grave lesão“. E nisso não tem muito o que discordar.
O investimento feito em Fofana foi alto, mas foi feito sabendo da lesão e das condições do jogador nada é por acaso. Mas é inegável que é um dos zagueiros mais promissores do futebol mundial e não chegou ao Chelsea para assumir a responsabilidade de carregar a zaga desde agora. Afinal, só tem 22 anos, mas já traz uma qualidade diferente e um grande talento que os Blues, agora desenvolvem.
O preço foi sim muito acima do que deveria ter sido, porém, isso passa muito pelas especulações da mídia e acima de tudo da própria avaliação e precificação que o clube de origem faz do jogador. Então, caso o Chelsea não pagasse os 80 milhões, alguém o faria. Ou então alguém o faria mais para frente. Porém, vale ressaltar que, mesmo achando um ótimo reforço e muito necessário, Fofana não era a opção primária de Tuchel.
O alemão queria Jules Koundé, mas queria utilizá-lo em uma posição que não o agradava. Por isso, Koundé optou a ida ao Barcelona. Ainda assim, é inegável que saudável, o camisa 33 do Chelsea vai ter um papel grande no clube agora e no futuro.
Passando ao próximo nome: Marc Cucurella. Tuchel forçou pela contratação do lateral espanhol. Forçou até demais – no sentido de que o alemão estava disposto à abrir mão de um dos principais nomes do futuro defensivo do clube (Levi Colwill) para ter o lateral. No fim das contas, Boehly entrou em ação e impediu a venda da promessa Blue ao Brighton, limitando a ida do jogador a um empréstimo até o fim da temporada, e pagando mais caro para contratar Cucurella.
Quanto a Sterling, Koulibaly e Aubameayng, foram mais três nomes pedidos diretamente por Tuchel. Enquanto Denis Zakaria foi uma oportunidade que se apresentou ao treinador.
Em suma, houve a contratação de jovens, mas ficou evidente por grande parte das pedidas, tenham elas se concretizado ou não, que o ex-treinador do Chelsea estava interessado em jogadores no auge, ou nem tão no auge assim, mas que fossem mais experientes e que, em tese, teriam impacto imediato no time.
Uma postura um pouco contraditória em relação ao plano dos Blues de construir um elenco jovem, não se preocupando tanto com os resultados imediatos. Mas sim buscando garantir a consolidação gradual de um grupo de jogadores que se desenvolveriam juntos.
Postura além das transferências
Muito além da forma como o ex-treinador queria montar o time não ir de acordo com o que a nova diretoria tinha em mente, o papel que Tuchel queria desempenhar na nova era não era o mesmo que Boehly tinha em mente para o comandante do time.
Thomas não demonstrava interesse em participar ativamente das negociações e de abrir um diálogo para convencer os jogadores a se juntarem ao clube. Por isso, sempre havia mais de uma opção para uma mesma posição dentre os interesses. Se um não aceitasse vir ao Chelsea, o clube poderia partir para outro.
Opção pessoal do alemão na forma como se posicional, não tem muito o que fazer quanto a isso. Só não ia de encontro com o que a nova diretoria queria do treinador do time principal masculino do clube.
Além disso, Tuchel se mostrava pouco aberto em desenvolver novos talentos, estando disposto a abrir mão de jovens jogadores formados pelo clube e gastar milhões em contratações que causassem impacto imediato. Totalmente o contrário do que Boehly espera para esses próximos anos.
Isso não significa que todos os jovens de Cobham vão subir ao profissional. Alguns deixarão o clube, mas demonstrar a abertura do caminho ao primeiro time é vital para que jovens talentos desejem vir ao Chelsea. Faz parte dos negócios e da renda do clube, inclusive. Ter um treinador que não se mostra disposto a garantir esse caminho atrapalha isso.
Em síntese, a demissão de Tuchel não foi tão sem sentido assim. O timing foi ruim? Com certeza. Mas tem uma razão por trás da escolha. Inclusive, o alemão já estaria interessado em assumir o Tottenham. Logo, como Tuchel já fez, está na hora da torcida e da mídia superarem a narrativa de pobre coitado e injustiçado. Tudo tem uma razão.
A herança de Potter
Potter não está isento de críticas neste início de trabalho, porém, está longe de ser um dos principais problemas do time hoje.
Há poucos meses torcedores e figuras públicas do futebol não cansavam de elogiar o trabalho do treinador no Brighton. Chegando a apoiar a contratação de Potter para comandar a Seleção Inglesa no próximo ciclo de Copa do Mundo. No entanto, o início conturbado no Chelsea fez as opiniões mudarem rápido. Até mesmo rápido demais.
Como o ge disse, são sete derrotas em 11 jogos, e são de fato. Mas também é um elenco herdado de 10 comandantes anteriores e que, acima de tudo, tem 10 lesionados. O segundo fato, sendo bem apontado pelo ge. Para mais contexto, os lesionados são (lista feita no dia 18 de janeiro):
- Edouard Mendy
- Reece James
- Wesley Fofana
- Ben Chilwell
- N’Golo Kanté
- Ruben Loftus-Cheek
- Armando Broja
- Raheem Sterling
- Christian Pulisic
- Denis Zakaria
Por muito menos, o treinador de um clube de Merseyside tem chorado, culpando desfalques pelas performances pífias e segue imune às críticas.
Mesmo a situação de outros clubes não importando, ainda assim é bom ressaltar isso. Porque Potter tem sido vocal sobre a situação do Chelsea e vem sofrendo muitos questionamentos sobre sua capacidade por conta disso. E convenhamos, colocando as preferências e comparações de lado, que um elenco ter quase um time inteiro de desfalques é uma situação nada normal.
A primeira janela no comando
Enfim, parte da solução da crise de lesões pode ser resolvida com transferências – e esse é um desafio grande que Potter vem tendo este mês. Para resumir as movimentações do Chelsea na janela até aqui, cito mais uma vez a nota do ge:
“Foram gastos 23 milhões de euros (R$ 127,8 milhões) recentemente no empréstimo de João Félix, entre salários e pagamento ao Atlético de Madrid, e 100 milhões de euros (R$ 550 milhões) da transferência de Mudryk“,
“Além dos dois jovens atacantes, o Chelsea também já contratou na janela de janeiro outros três atletas de pouca idade: Andrey Santos, Badiashile e Datro Fofana“.
São muitas contratações sim, e somando o pacote tudo de primeira parece bem caro, é verdade. Porém, há algumas (muitas) coisas a serem consideradas sobre isso.
Nem tudo é o que parece ser
Em primeiro lugar, o preço das contratações não é pago em uma parcela. Os negócios são estruturados de forma que o pagamento seja feito de forma diluída. Ou seja, o Chelsea não desembolsou 100 milhões de euros de uma vez para contratar Mudryk, mas fará o pagamento total em alguns anos.
Mais ainda, Mudryk foi negociado por um valor fixo de 70 milhões de dólares e outros 30 milhões em bônus que envolvem a conquista da Premier League e da Liga dos Campeões. Outro fator que afeta a estrutura do contrato e do pagamento – e esse formato de negociações não é realizado apenas pelo Chelsea, sendo adotado por outros clubes ao redor do mundo também.
Em segundo lugar, vale ressaltar, novamente, o fato de Potter ter herdado um elenco que não foi montado por ele, construindo seu trabalho com a temporada já em andamento, mesmo que ainda estivesse em seu início. Isso foi um erro de cálculo da diretoria, dos grandes. Porém, ainda não é o maior dos problemas.
É evidente que alguns jogadores não tem vontade de seguir no clube, por isso, tão importante quanto as chegadas são as saídas. Diferente do que acontecia antes, Boehly parece disposto a deixar jogadores que não estão performando deixem o Chelsea. Até para evitar que o poder do elenco siga sendo percebido como maior que o do treinador dentro do clube – algo relembrado semanalmente pela mídia ao reforçar o apoio da diretoria a Potter, apesar do momento ruim. O que leva a um terceiro fato que também impacta na nova era: o custo com salários.
Na era Abramovich, muito além de gastar milhões em jogadores por oportunidades muito mais que por necessidade, os contratos garantiam altos salários aos jogadores. Desse modo, o custo de manutenção do elenco dos Blues é altíssimo. De acordo com o Soccer Prime, o custo anual do clube com salários é de £175 milhões e Boehly quer e precisa diminuir isso.
Por exemplo, muito se falou sobre como Mudryk ia receber 200 mil libras por semana de salário, quando na verdade, serão 97 mil. Menos que jogadores como Ruben Loftus-Cheek por exemplo, que tem pouco impacto no time do Chelsea.
Portanto, ge vocês não estão de todo errados. Porém as coisas não são como vocês fizeram parecer. O Chelsea não “contrata desesperadamente” ou “seca lágrimas com dinheiro”.
Hoje, os Blues gastam por necessidade, com um plano para o futuro. Pode parecer desespero para quem não sabe da realidade do clube e pega tweets de análise rasa para formar opinião. Os Blues gastam para garantir a base de seu projeto e começa a gastar inteligentemente.
Os preços elevados não são culpa do clube, que não tem o que fazer a não ser pagar o que os demais desejam receber. Inclusive, a tendência é que o mercado inflacione ainda mais e não é por culpa o Chelsea. E não se preocupem com os gastos ou com o fairplay financeiro. Se os Blues estão gastando é porque podem.
Além disso, o clube não é amador para deixar de desrespeitar um dos pilares das negociações de jogadores imposta pela FIFA. Se bem que um clube de Manchester o fez não tem muito tempo e o barulho foi pequeno. Mas, mais uma vez, os outros pouco importam.
O Chelsea é o último time inglês campeão da Champions League e o último clube de Londres a se consagrar campeão da Premier League. Então acho que quem seca lágrimas são os rivais que, hoje, apenas sonham em ter as conquistas que os Blues tiveram na última década. E se está incomodando, relembro a vocês que tem muito mais por vir, estamos só começando.
As palavras neste texto condizem com a opinião da autora, não tendo qualquer relação com o Chelsea Brasil.