O Chelsea, no geral, sabe a hora de dar um basta para a busca de renovação. Acertou, por exemplo, com Ashley Cole, Michael Essien e Didier Drogba. Em outros casos, como os de Frank Lampard e Petr Cech, uma discussão é válida, mas ambos são justificáveis e a polêmica acabou sendo maior por conta de seus destinos, que foram em rivais da Inglaterra. Entretanto, tecnicamente, não houve uma perda tão significativa. Ao argumentar sobre Lampard, pode-se dizer que seu declínio técnico era cada vez mais evidente, e, desta forma, foi o momento certo para cortar relações. A prova disso foi seu rendimento apenas razoável na temporada seguinte pelo Manchester City. Já Cech, certamente, ainda havia muito o que jogar pelo Chelsea, mas existia uma pressão para que Courtois, também excelente goleiro, tivesse sua chance. Tudo acaba se encaixando.
Mas, em um caso mais recente e que causou muita repercussão, é difícil argumentar a favor. John Terry, zagueiro e capitão da equipe inglesa, de 35 anos, não terá seu contrato renovado para a próxima temporada. Ele, que completou 20 anos de Chelsea em 2015 (contando categorias de base), esteve na seleção da última Premier League, mostrando que ainda tem muito vigor físico e, tecnicamente, segue demonstrando muito talento. Foi responsável por comandar a melhor defesa da competição, atuando ao lado de um inconstante Gary Cahill (que também esteve no onze ideal da PL, sem muita justiça)
A temporada 2015/16 chegou e trouxe muitos problemas para o Chelsea. Lesões, baixo rendimento de todo o elenco e evidentes problemas de comando que resultaram na demissão de José Mourinho e em uma péssima campanha na Premier League. E, é claro que em meio a tantas complicações, Terry não passou batido. Teve más atuações, falhas individuais e foi ofuscado por Kurt Zouma, que esteve melhor em relação ao veterano na maioria das partidas em que jogou. Isso tudo seria um argumento sólido para sustentar sua saída, correto? Não.
Como já dito, o Chelsea versão 2015/16 foi um grande desastre, especialmente durante o período pré-Hiddink. E, ao enumerar os problemas táticos da equipe, é possível fazer uma lista, mas aqui serão tocados os dois pontos mais importantes. Nas laterais, existe uma grande inconstância, especialmente com Ivanovic. que faz a pior temporada de sua carreira. A outra questão são os volantes. Matic sempre se destacou por seu poder de desarme e movimentação sem a bola, fechando bem os espaços e apresentando muita inteligência para prever a conclusão das jogadas adversárias. Mas, na versão atual, isso se perdeu. O jogador tornou-se afoito na saída de jogo, sua recomposição geralmente é lenta e os desarmes estão cada vez mais ausentes. Seu companheiro de posição, Fàbregas, sempre teve dificuldades ao cumprir um papel tático mais voltado para a marcação, e esse fator se segue. Porém, ao tentar ser mais presente no campo defensivo, teve seu talento ofensivo desperdiçado. Assim, figuras limitadas como Mikel e Ramires (já transferido para a China), tornaram-se constantes na equipe titular e, mesmo fazendo o básico, não deixaram de comprometer.
E, dessa forma, os zagueiros acabam tendo que se desdobrar, hora para cobrir laterais, hora para tentar antecipar jogadas e arriscar um espaço considerável em sua área. Terry é um zagueiro de sobra, enfrentando dificuldades para antecipação e cobertura, já que, com sua idade, a velocidade se perdeu consideravelmente. Ou seja: se o jogador cometeu algumas falhas, é necessário observar a origem do problema e buscar a correção de erros primordiais. Culpar uma peça individual pela conclusão de determinada jogada é um recurso muito simples e preguiçoso.
Com a chegada de Hiddink, os Blues voltaram a ter uma maior disciplina tática, que se assemelha ao time de 2014/15, que gostava de marcar pressão e não comprometia muito o espaço defensivo. É claro que algumas ideias do holandês não foram bem amadurecidas, mas o caminho é esse. Com a melhora tática, é óbvio que, em termos de atuações, melhoras foram observadas. Ivanovic e Azpilicueta melhoraram (especialmente o primeiro), Mikel serviu como suporte para Matic, que atuou, muitas vezes, com mais liberdade, e as pontas, que recentemente vem sendo ocupadas por Pedro e Willian, prestam um ótimo serviço defensivamente. Assim, Terry voltou a atuar bem, mesmo que tenha sido atrapalhado por lesões. Ao lado do centroavante, a posição do zagueiro é a que mais depende de uma equipe em pleno funcionamento pois, caso o contrário, haverá uma sobrecarga muito grande e as falhas serão inevitáveis.
Além de tudo o que foi citado, também há a incoerência. Terry não receberá um novo contrato, enquanto Ivanovic e Cahill, peças mais falhas na temporada e inconstantes inclusive na campanha do título, ganharam novo vínculo. Se em um caso houve a consciência para perdoar erros e dar uma chance de redenção, não custava aplicar a mesma lógica na situação de um dos maiores jogadores da história do clube. Especialmente no momento atual, visto que JT seria de vital importância para a reconstrução moral do Chelsea depois de uma temporada tenebrosa.
Outra alternativa para esse debate seria uma maior confiança em jogadores emprestados, que são dezenas. Entre eles, dois zagueiros merecem ser melhores observados: Christensen, que faz boa temporada pelo Borussia Monchengladbach, e Kalas, que está no Middlesbrough e já vem demonstrando talento a bastante tempo. No entanto, isso seria um assunto para outro texto, visto que o Chelsea parece boicotar os seus próprios jogadores em empréstimo (casos de Kevin De Bruyne e Romelu Lukaku, por exemplo).
Em um mercado cada vez mais inflacionado, trazer um zagueiro com carga para ser titular requer muita procura e, é claro, dinheiro. O exemplo mais claro vem do próprio Chelsea, que na última janela de verão negociou por semanas com o Everton por Stones, sem êxito, esbarrando no valor absurdo requerido pela equipe de Liverpool. Cada vez mais a sensibilidade é vital dentro do futebol, principalmente ao definir quem fica e quem sai de um clube. Nesse cenário, o Chelsea, que soube o momento que buscar renovação em outras ocasiões, surpreende ao tomar uma decisão impulsiva e imatura no caso de John Terry. Triste para o zagueiro, triste para os torcedores.
Caso o estádio se esvazie parcialmente no minuto 26 da última partida da temporada, será esse um dos poucos momentos positivos para serem lembrados nos últimos meses. Terry não pode sair, e a torcida tem que lutar por isso.