Guerra da Ucrânia e sanções econômicas: o que pode acontecer?

Na última quinta-feira (10) o tesouro britânico publicou uma nota confirmando o congelamento dos bens de Roman Abramovich no Reino Unido. Entre eles, seu clube de futebol, Chelsea Football Club.

As informações, de acordo com o jornalista Fabrizio Romano, são de que o Chelsea poderá continuar funcionando. Porém, esse funcionamento seria com restrições até, pelo menos, 31 de maio. Ou seja, o clube não poderá negociar jogadores nem assinar contrato com novos atletas. Além disso, vetou-se também renovações de contrato, vendas de ingressos e de produtos da marca.

Em seu site oficial o clube já afirmou que irá recorrer perante o governo britânico. Assim, busca maior liberdade de ação para o melhor funcionamento da instituição.

Contexto histórico

O início da Guerra da Ucrânia deu-se com a invasão russa em território ucraniano no último dia 20 de fevereiro. Então, para frear o ímpeto militar russo, diversos governos do Ocidente buscaram estratégias. Congelar os bens de indivíduos com relações próximas ao presidente Vladimir Putin foi uma delas. A ideia era que essas pessoas pressionassem o líder para cessar os ataques. Uma dessas figuras é a do oligarca russo dos Blues.

Qual o objetivo do congelamento dos bens?

Em 1949 foi criada a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), uma aliança militar que visava barrar uma possível investida da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). A Ucrânia, ex-território soviético, não faz parte dessa aliança. Assim, os países membros da organização não são obrigados por tratados internacionais a defender o território ucraniano.

O russo está no clube inglês há quase vinte anos (Foto: Getty Images)

Contudo, estadunidenses, britânicos e demais potências globais buscam maneiras de barrar o conflito. As principais formas atualmente são as sanções econômicas sobre a Rússia. Essas sanções têm como foco, por exemplo, diminuir a capacidade econômica russa, piorando, em teoria, as condições de vida da sua população. Em decorrência disso, Moscou, enquanto liderança política do país, deveria sentir-se forçada a desistir da guerra.

Seguindo essa linha, o objetivo do governo britânico contra oligarcas russos é fazer com que eles também pressionem o regime de Putin, convencendo-o a desistir das atividades militares sobre a Ucrânia.

O que Abramovich tem a ver com isso?

De acordo com nota do tesouro britânico, o congelamento dos ativos do russo em território britânico deve-se às relações próximas com Putin. Aponta-se, inclusive, que o dono do Chelsea tenha recebido, ao longo de décadas, diversos benefícios comerciais do atual regime político russo. Além disso, o oligarca é um dos mandatários da empresa PLC. A produtora de ferro, de acordo com o documento, seria responsável direta pela produção de tanques de guerra russos.

Entretanto, os pesquisadores especialistas em Rússia Boris Zabolotsky e Larlecianne Piccolli, apontam que se pode considerar as relações entre Abramovich e Putin mais pragmáticas do que incondicionais. Além disso, Zabolotsky explana que nos primórdios do governo Putin, no início dos anos 2000, oligarcas russos, temendo sanções, procuraram investir em ativos em outras regiões do globo. Foi o caso do bilionário dos Blues.

Abramovich aperta mão
Abramovich junto com o antigo proprietário do clube, Ken Bates.

Justificou-se o temor por parte deles, visto que acabaram tendo seus bens confiscados à época. Alguns foram até mesmo presos ou mortos. Posteriormente Putin obrigou que esses oligarcas se submetessem às suas decisões e apoiassem o regime no Kremlin. Em troca, gozariam de benefícios econômicos. Isso explica, por exemplo, a participação direta de Abramovich em megaeventos esportivos como as Olimpíadas de Inverno de 2014 e Copa do Mundo FIFA de 2018, ambos realizados em território russo.

Zabolotsky pontua também que a posição do Manda-Chuva do Chelsea em relação à atual conflagração militar russa vem sendo mais pró-Ucrânia e/ou neutra do que pró-Rússia. Isso é confirmado, por exemplo, por notícias confirmando sua participação nas negociações de paz em favor do lado invadido. Além disso, o dono dos Blues já havia anunciado que todos os lucros que obtivesse em uma eventual venda do Chelsea iriam para as vítimas da guerra.

O que pode acontecer com o clube?

No atual estágio é possível vislumbrar dois cenários:

1º Cenário

O governo britânico vem sendo pressionado para agir contra Abramovich. Ou seja, demonstrar que está operando contra um dos principais oligarcas russos. Porém, devemos levar em consideração as consequências das sanções:

  • O Chelsea é responsável direta ou indiretamente por muitos cidadãos britânicos que dependem social e economicamente do clube. Desde seus funcionários a trabalhadores do comércio e turismo, passando por suas fundações e fornecedores de serviço. Ou seja, em certo nível, prejudicar o clube seria impactar negativamente a vida dessas pessoas e seus familiares, causando um efeito dominó sobre a economia britânica, já muito impactada pela crise da Covid-19.
  • Os azuis de Londres são os atuais campeões da UEFA Champions League, da Super Copa da UEFA e do Mundial de Clubes da FIFA. Portanto, o encerramento das atividades ou qualquer impacto maior sobre o time pode gerar diminuição de visibilidade e receita para as competições que o clube participa. Assim, isso pode abalar a todas as agremiações participantes dessas disputas.
Roman Abramovich e seus filhos comemoram o bicampeonato da Europa junto com o capitão Azpilicueta (Créditos/Reprodução: Alex Caparros/UEFA)

Neste cenário há espaço para que o Chelsea entre na justiça para pleitear a retirada das sanções ou até mesmo postergá-las, dando tempo para a venda do clube. Assim, a justificativa dos advogados poderia ser, principalmente, a falta de esclarecimento de Abramovich sobre suas relações com Vladimir Putin, o que tornaria as ações contra os seus bens, provavelmente inconstitucionais.

Acontecendo isso, poderia se considerar uma “vitória” para ambos os lados. O governo britânico poderia argumentar que fez o possível contra o bilionário e diminuiriam os impactos sobre o Chelsea, dependendo da velocidade do judiciário britânico. Ou seja, não é de interesse econômico, social e nem futebolístico causar prejuízo à instituição.

2º Cenário

O Chelsea pode ser vendido rapidamente para atender interesses econômicos. Assim, o clube teria que ser colocado à venda por algo em torno de 2 a 3 bilhões de libras. A venda do clube ainda pode ocorrer, desde que o governo aprove e o russo não receba nada na transação. Então, as sanções podem fazer com que o clube seja vendido por um valor menor.

Deve-se considerar que pode haver algum tipo de lobby sobre o governo britânico para que atue contra o Chelsea, diminuindo o preço de venda e trabalhando para que o comprador seja alguém com boas relações com o establishment político britânico.

Não podemos ser inocentes, interesses políticos e econômicos andam de mãos dadas. Ou seja, para um eventual interessado no clube, quanto pior as pressões e sanções contra a instituição, melhor. Assim, nessa condição, provavelmente Abramovich não receberia nada pela venda do clube, colocando em cheque o seu desejo de destinar o dinheiro para as vítimas ucranianas – talvez em favor de algum político ou empresário britânico.

Para finalizar

O Chelsea é mais que um clube. É uma instituição que gera uma ampla gamas de empregos diretos e indiretos, movimenta a economia britânica e ajuda a atrair público para todas as competições em que está envolvido. Isso é claramente mensurável. O que não se pode medir é a paixão dos torcedores pelo clube. Assim, independentemente do que aconteça, seja com Abramovich ou com alguma futura gestão, o que os milhões de torcedores do Chelsea ao redor do mundo querem é que o clube continue a crescer. Administrações vem e vão. Que o Chelsea, como instituição, dure para sempre.

 

Sobre o autor –Felipe Dalcin é Analista e professor de Relações Internacionais pela Escola Superior de Relações Internacionais (ESRI), Doutorando e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais (PPGEEI) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Pesquisador Associado ao Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE) e à Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED).

Category: Opinião

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Article by: Lucas Jensen

Jornalista que ainda acredita que o futebol pode ser apreciado sem torcer (mas não se segura e torce mesmo assim). Fã de tática e do jogo reativo, se deleita nos contra-ataques e toques 'de primeira'. Amante racional da Premier League e nostálgico do Calcio, seus hobbies incluem teorias mirabolantes e soluções inusitadas.