Jorginho é o segundo capitão do chelsea

A importância silenciosa de Jorginho

Muitos jogadores têm a sua importância inquestionável por onde passam. É o caso de jogadores de ponta como Cristiano Ronaldo, Messi, Neymar e muitos outros que aparecem com odds bem interessantes nas partidas como podemos ver sempre em Betmotion. Porém, há os trabalhadores dos bastidores para que o espetáculo saia conforme planejado. Dentre esses há dois tipos: os “carregadores de piano” e os arquitetos silenciosos. Os primeiros basicamente fazem o trabalho sujo da marcação e cobertura. Por outro lado, os arquitetos silenciosos controlam o jogo e só aparecem se algo dá errado. Jorginho é um destes.

Tudo começa pela mentalidade

Em jogos de futebol minimamente competitivos, não é a qualidade técnica do jogador que pesa, mas sim a mentalidade. Assim, a “coragem” que um atleta tem para receber a bola em situações adversas é sempre um dos principais fatores. É facílimo, por exemplo, ver jogadores profissionais, inclusive world class, se “esconderem” durante o jogo. Entretanto, não é porque são ”pipoqueiros”. Isso é natural e inconsciente. É da natureza humana não se colocar em risco.

Jorginho chelsea lider
Jorginho é peça fundamental para o Chelsea (Foto: Getty Images)

Qual é o perigo?

Esse risco engloba muitas coisas. Erros de passe, perda da posse de bola, ser batido pelo adversário, lesões e críticas são alguns exemplos. Durante o jogo, o risco flutua como uma bolsa de valores. Em um momento está mais alto para um time, em outro para outro. Dentro do mesmo time pode variar entre os setores do campo. Mesmo durante uma mesma jogada, conforme a bola vai passando de um jogador para o outro – o que é a lógica do futebol – o risco varia de um atleta para outro.

Jorginho em jogo contra Inter
O ítalo-brasileiro se sobressai nos riscos [Foto: Chelsea FC]

Portanto, é normal que, durante a troca de passes, o objetivo seja a opção mais segura para não cometer erros. Isso, contudo, causa estagnação no jogo e falta de contundência. Um bom exemplo disso eram alguns jogos do Barcelona de Guardiola e da Espanha campeã do mundo de 2010. Todavia, com Jorginho em campo, o jogador da bola tem sempre esta opção apresentada. Mesmo marcado, em posições desconfortáveis, com a perna trocada ou com a exigência do toque de primeira, o ítalo-brasileiro é opção constante. Isso não somente traz segurança para o time, mas aumenta a confiança dos atletas e, mais que tudo, cria espaços na defesa adversária para o famoso “jogo de posição”.

Escassez da função

Atualmente só existe um outro jogador no mundo que executa plenamente as funções de Jorginho: Sergio Busquets. A sua principal característica, assim como a do camisa 5 do Chelsea, é fazer o simples ser a melhor jogada. Outros jogadores como Rodri, Kimmich e Milinkovic-Savic também se assemelham ao atleta. O que Jorginho faz no quesito ligar-se com outros atletas e manter o fluxo de jogo é uma qualidade ímpar. Entretanto, se essa fosse sua única qualidade não faria sentido mantê-lo no time.

Tanto isto é verdade que, em diversos momentos, a sua permanência em Londres foi questionada na última temporada. Vindo de uma liga fisicamente mais fraca, é natural que um jogador que não tenha no vigor físico a sua principal característica demore um pouco mais para apresentar seu futebol.

Jorginho napoli
Jorginho em atuação pelo Napoli (Fonte Getty Images)

Com Maurizio Sarri, na Itália, seu jogo evoluiu e amadureceu. Assim, tornou-se a principal engrenagem de um meio-campo que tinha Marek Hamsik e Allan. Tudo girava em torno de Jorginho, desde a saída elegante da pressão alta adversária até as triangulações ofensivas. Além disso, essas próprias triangulações se tornariam parte importante do seu jogo. Entretanto, na sua primeira época de Chelsea, o ítalo-brasileiro não conseguiu colocar suas melhores cartas na mesa e foi até descartado por alguns “especialistas” e torcedores.

O portfólio

Porém, nesta temporada, ele está mostrando o conjunto de ferramentas que o tornou tão importante no Napoli. Ele não é veloz, mas compensa no tempo de reação, posicionamento e botes/interceptações precisos. Para comprovar isto basta assistir aos inúmeros contra-ataques parados em duelos contra jogadores mais físicos e velozes. Outra característica defensiva é a do “bote solidário”. Ela consiste em retomar a bola em conjunto com outro atleta.

É mais difícil tomar a bola para si do que cortar para a lateral, por exemplo. Todavia, desta forma não se ganha a posse de bola. Mas, se o corte for feito em função de outro jogador do seu time bem posicionado, tem-se uma grande oportunidade de transformar o ataque em contra-ataque. Além disso, ao sofrer com contra-ataques, o bote solidário pode virar o momentum e transformá-lo em vantagem para seu próprio time.

Jorginho e Kovacic dupla dominante
Dupla de meio do Chelsea é uma das mais dominantes do mundo (Foto: Getty)

É nessa situação que a parceria com Kovacic é importante. Além de serem exímios passadores, ambos se conectam com companheiros e não sentem a pressão da marcação adversária. Porém, a característica do croata que completa o jogo de Jorginho é a velocidade e o drible para ser o segundo homem do bote solidário e partir para o ataque. Desta forma, quebram-se linhas e criam-se situações de superioridade numérica, que consequentemente podem levar a gols.

Liderança inquestionável

Outro ponto positivo de Jorginho é a liderança que exerce sobre os companheiros. Tanto é verdade que Lampard o concedeu o status de vice-capitão, além de elogios frequentes a essa característica. A sua vocalização do jogo é fundamental para o funcionamento do time. Como o ítalo-brasileiro está em uma posição central do campo, consegue visualizar todas as jogadas e estar perto o suficiente para orientar o melhor passe.

Jorginho comanda as ações
Tranquilidade e liderança são atributos do meio-campista (Foto: Getty)

Essa é a sua diferença para Busquets, por exemplo. Enquanto o espanhol se desmarca para receber a bola, muitas vezes voltando e atrasando a jogada, Jorginho frequentemente se coloca em posição de não receber a bola para poder orientar a jogada ofensiva. Assim, consegue dar mais rapidez e fluidez à transição defesa-ataque, essencial novamente na quebra de linhas. Além disso, a sua liderança pode controlar a temperatura do time em campo. Ou seja, inflamando ou esfriando o jogo conforme a necessidade da partida

Excelência na marca penal

Ainda nas qualidades, Jorginho é um excelente cobrador de pênaltis. Em toda sua carreira, o jogador só desperdiçou uma cobrança, pelo Napoli em 2017. Depois que adotou o salto antes da batida, suas cobranças tem um aproveitamento maior do que qualquer outro jogador das ligas europeias. Ou seja, em partidas com pênalti podemos dar como certo o gol. Em times com jogadores rápidos e dribladores como o Chelsea sempre teve, a chance do pênalti é bem maior e é uma oportunidade que não pode ser perdida.

Salto de Jorginho no penalti
Jorginho tem aproveitamento de 95% nas penalidades (Foto: Getty)

Cenário mais amplo

Agora, depois disso tudo, a pergunta é: por que o Chelsea não decolou então, tendo um jogador tão importante? A resposta passa por algumas posições-chave em campo. Especialmente as duas em que temos deficiência no elenco: lateral esquerda e meio-campo ofensivo.

A lateral que o Jorginho mais cobre é a esquerda e, enquanto realiza funções meramente defensivas, se desgasta e perde tempo de construção de jogo. Isso passa também pela presença de Kanté, que joga avançado mais avançado e não consegue voltar para marcar. Assim, a utilização do francês em uma trinca de meio-campo com Jorginho e Kovacic já se provou ineficiente pois é ele quem faz a conexão mais avançada com o ataque, penetra na área, sobe para cabecear, abre nas laterais para dar suporte e tenta arremates longos. Essa não é a sua característica.

Playmaker do chyelsea
Ziyech foi uma das soluções trazidas pelos Blues (Foto: Getty)

Portanto, isso leva a outra carência, que é a falta de um jogador que possa aproveitar o espaço para dar a assistência, ou seja, um playmaker. Um criador de jogadas não é necessariamente um meia, apesar de ser o caso do Chelsea. Essa situação foi abordada com a vinda de Hakim Ziyech. A sua transferência cai como uma luva por ser especialista em assistências. Esse encaixe perfeito se dá porque os Blues terão, finalmente, um jogador para aproveitar os espaços criados por Jorginho e Kovacic. A cereja do bolo seria um atacante veloz e eficiente para completar as jogadas. Está aí Timo Werner para calçar esses sapatos.

Daqui para frente

Jorginho vem de uma escola que trouxe excelência à posição mais complexa de todas, o regista. No Brasil não temos expoentes clássicos dessa posição e, talvez, o que mais se aproxime seja o Falcão. Mas, no mundo, diversos jogadores já exerceram a função que é melhor exemplificada por Andrea Pirlo.

Por fim, Jorginho é um dos responsáveis diretos pelo crescimento e amadurecimento da melhor joia da base que temos atualmente: Billy Gilmour, que demonstra ser um híbrido entre as escolas italianas e bretãs. Tendo o exemplo dentro do próprio vestiário, Gilmour só tem a crescer e proporcionar grandes coisas para o futuro do meio-campo azul de Londres.

Category: Opinião

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Article by: Lucas Jensen

Jornalista que ainda acredita que o futebol pode ser apreciado sem torcer (mas não se segura e torce mesmo assim). Fã de tática e do jogo reativo, se deleita nos contra-ataques e toques 'de primeira'. Amante racional da Premier League e nostálgico do Calcio, seus hobbies incluem teorias mirabolantes e soluções inusitadas.