Os três últimos jogos do Chelsea serviram para evidenciar o que mais é necessário para o futuro: paciência. Com as oscilações esperadas de jogadores e treinador jovens, o saldo é positivo, mas isso não quer dizer resultados imediatos. Muito pelo contrário.
A derrota contra o campeão Liverpool mostrou que os times estão em momentos completamente diferentes no que diz respeito à maturidade dos trabalhos dos técnicos. Todavia, as vitórias contra Manchester United e Wolverhampton demonstram que alguns pontos podem ser tratados como virtudes, especialmente a flexibilidade tática de Frank Lampard.
Então, como deixar que a natureza siga seu curso? E mais, que o desenvolvimento do técnico possa acontecer sem questionamentos improdutivos ou críticas descontextualizadas? O torcedor e o clube vão ter de exercitar a paciência se quiserem ganhar a maratona e não os 100 metros rasos.
Primeiro Tempo: A lição do Liverpool
Se há uma coisa que o Liverpool ensina é a virtude da paciência. Desde que chegou à Inglaterra, Jurgen Klopp coleciona maus, bons e ótimos momentos, mas sempre em um crescente de produtividade. O oitavo lugar em sua primeira temporada à frente dos Reds, se fosse analisado isoladamente, renderia críticas e uma possível demissão. Além disso, falhou em vencer a Europa League e pelo menos uma das copas.
Entretanto, na segunda temporada, o alemão levou o time até a quarta colocação. Além disso, sua melhor posição foi o segundo lugar no primeiro turno. Assim, novamente a equipe não levantou troféus ou apresentou consistência no estilo de jogo. Já era o segundo ano completo de Klopp contando com a fé dos dirigentes e torcedores. Mas eles apostavam no sucesso a longo prazo.
A espera finalmente demonstrou alguns frutos quando o Liverpool chegou à final da Champions League em 2017/18. Assim, contra o Real Madrid, os comandados de Klopp conseguiram o vice-campeonato. Entretanto, muitos podem dizer que fatores externos contribuíram para a derrota. Sérgio Ramos, por exemplo, foi protagonista do lance que tirou Salah do jogo. Além disso, o zagueiro ainda participou de jogada que teria dado uma concussão a Karius e gerado suas falhas capitais.
Foi somente em 2018/19 que o mundo percebeu a qualidade do trabalho do alemão à frente dos Reds. Com o título da Champions League sobre o Tottenham Klopp já era exaltado pelo que fizera com o time. Sua segunda final seguida e o vice-campeonato inglês davam credibilidade ao trabalho. O ápice, no entanto, veio só na temporada atual com o primeiro título da Premier League.
Segundo Tempo: A semeadura de Lampard
Foi somente após cinco anos de trabalho que Klopp alcançou a glória máxima e o status de inquestionável. Além disso, foram dois anos sem resultados expressivos ou troféus para levar para casa. Assim, foram dadas ao alemão três temporadas para que a sua filosofia brotasse e dois anos de amadurecimento para que frutificasse.
O “palpite estudado”
Talvez a analogia que caiba para melhor compreender a nomeação de Lampard como técnico do Chelsea seja a da aposta. Quando um agricultor recebe uma semente, aparentemente de boa procedência, mas que nunca foi testada antes, sempre há a possibilidade de dar errado. Assim, quando Roman Abramovich confiou em seu antigo jogador, havia mais incertezas do que certezas no futuro de ambos.
Todavia, engana-se quem pensa que o russo é leviano com relação ao seu dinheiro. O case de administração e crescimento do Chelsea como empresa é um dos mais importantes do cenário mundial atualmente. Portanto, a aposta não passou de um palpite estudado. Ou seja, a chegada do ídolo para ocupar a função de manager, apesar de tudo, teve fundamento.
Sua temporada pelo Derby County havia surpreendido a todos quando o time passou pelo favorito Leeds somente para cair na final frente ao Aston Villa. Sob seu comando, o clube teve algumas atuações de destaque como as vitórias sobre o Manchester United na Copa da Liga Inglesa e sobre o Southampton, na FA Cup.
Contudo, as características que mais o evidenciaram como treinador foram a capacidade de aprender rápido, se adaptar a situações diferentes e extrair o melhor de jovens atletas – como Mount e Tomori, emprestados do Chelsea. Assim, sua visão de jogo o colocou como escolha número um para a transformação que os Blues pretendiam como clube.
Terceiro Tempo: Tempo de colheita
Apesar das lições dadas pela atual gestão do Liverpool, algumas diferenças devem ser apontadas entre os treinadores. A primeira é que o momento da carreira de ambos era diferente nos inícios de trabalho. Enquanto Klopp já poderia ser considerado um profissional maduro e pronto, Lampard estava somente em sua segunda temporada como manager e, portanto, ainda muito “cru”.
Além disso, a situação dos Blues não causava expectativa no início da temporada. Sem poder contratar, com um time recheado de jovens e ainda sem a principal estrela dos últimos anos, qualquer resultado acima de uma quarta colocação na liga era visto como luxo.
Outro aspecto que deve ser levado em consideração é a cultura dos dois times. O Liverpool é um time considerado grande a mais tempo. Já os Blues vêm gradativamente, ao longo das décadas, tornando-se um dos protagonistas. Assim, essa mudança aconteceu de forma mais rápida após a compra do clube por Abramovich, no começo dos anos 2000.
Desde então, o Chelsea vem consumindo treinadores tendo em vista o retorno rápido do investimento para o russo. Porém, após a conquista da Champions League em 2012 as coisas mudaram de figura. Além disso, pela última década, o clube vem assumindo a tarefa de investir na formação de base e se preparar para uma corrida mais longa.
O investimento deu lugar à identidade
A necessidade de um maior fôlego vem do estabelecimento da marca como referência mundial. Todavia, a manutenção do status só vem com a transformação da mentalidade e da filosofia que rege a instituição como um todo. Têm-se diversos exemplos de equipes que construíram a sua imagem com base nas crenças do clube. O Chelsea, portanto, seria novidade ao cimentar novos valores em cima de uma imagem já projetada.
Ao estabelecer as características do time à imagem das suas, Lampard dá “a sua cara” ao time quando prevê posse de bola, transições rápidas, marcação alta e versatilidade. Entretanto, para que essa construção possa ocorrer de forma gradual, é necessário que o desenvolvimento dos jogadores passe pela colaboração da diretoria, novas adições e paciência, tanto do clube quanto do torcedor.