Muito se fala sobre as potencialidades do elenco do Chelsea e as falhas que assombraram as últimas campanhas. Mas o principal dilema de Frank Lampard hoje diz respeito ao meio de campo. Exatamente no setor em que se encontram as peças com mais qualidade do time azul é onde o técnico tem mais a resolver para engrenar uma sequência vencedora no campeonato.
No Brasil, quando se tem mais de um jogador “titular” por posição, costumam dar à situação o título de “dor de cabeça boa”. Entretanto, alguma vez você já teve uma enxaqueca gostosa? Será que a romantização do excesso de peças não complementares pode causar mais problemas do que solucionar? Qual é a estratégia ideal para acomodar o maior número de craques possível no XI titular? É disto que o Lupa Tática desta semana irá tratar.
Largue a corneta, abra a cabeça e acompanhe as reflexões no texto abaixo.
As peças ‘problemáticas’
Um dos maiores exemplos recentes de um time com várias estrelas não complementares foi a seleção brasileira da copa e 2006. Considerada por muitos como um “expoente do futebol arte”, os titulares contavam com estrelas como Ronaldo, Adriano, Ronaldinho e Kaká. Contudo, o selecionado falhou em causar impressão duradoura traduzida em troféus.
O time galáctico do Real Madrid do começo do século também ilustra com perfeição outro dos males de se ter muitos jogadores renomados em um só time: a disputa de egos. Apesar de não acontecer em Londres, o que temos é mais um desperdício do que variedade de opções. Quando Jorginho, Kanté e Kovacic jogam juntos, as características de um impossibilitam, atrapalham e anulam as de outro. Ou seja, mantê-los juntos é assinar a declaração de óbito do planejamento do clube. No esquema de Lampard, só dois podem jogar.
O croata driblador
Kovacic foi o nosso melhor jogador da última temporada. Com arrancadas e dribles dignos dos melhores do mundo, o meio-campista criava, desarmava e ocupava espaços como nenhum outro Blue. Além disso, o herdeiro de Modric na seleção vice-campeã do mundo se entendia muito bem com Jorginho e, juntos, formavam uma das melhores duplas de meio para um time ofensivo.
No início da campanha atual, Kovacic ainda demonstra estar em plena forma. Além disso, seus 26 anos indicam que ainda tem espaço para desenvolvimento na carreira. Isso é ótimo para o clube. Todavia, o problema da escalação do camisa 17 nessa trinca de meio-campistas é que isso restringe a sua atuação e movimentação.
Com Kanté colado ao flanco direito e Jorginho marcado pelo adversário, temos saída com Kovacic pela esquerda, mas isso cansa o atleta desnecessariamente e perdemos sua qualidade no segundo tempo. Além disso, a presença do francês indica que o croata seria o meia mais avançado. Assim, como não é seu posicionamento preferido, perdemos no ataque e na defesa. Ou seja, desperdício.
O maestro incompreendido
Já está mais do que na cara que a torcida do Chelsea elegeu o ítalo-brasileiro como um dos culpados quando o time atua mal. Seu estilo de jogo parece não se encaixar na filosofia de Lampard e sofre com a intensidade da Premier League. Portanto, para funcionar, a meia-cancha teria de tê-lo como principal homem e colocar um ou dois companheiros para trabalhar ao seu redor.
Na teoria poderia ser o que acontece com a “trinca problemática”, mas, na prática, isto está longe de ser verdade. Pelo contrário, Jorginho fica exposto pelo avanço e infiltração de Kanté e não tem Kovacic para apoiar a saída de bola. Ou seja, perde a sua principal qualidade. Assim, o time continua previsível, sem compactação, com transição lenta e sem chegada à frente. Isso fica mais visível ainda quando temos pouca mobilidade no ataque com Giroud ou Abraham, que precisam de apoio vindo de trás.
Por fim, em muitas ocasiões, o camisa 5 deixa de participar do jogo e libera o avanço do volante francês. Entretanto, isso causa a contrapartida de Kovacic ter que recuar para cobrir espaços. Ou seja, nosso principal passador e organizador de jogo fica inutilizado entre dois atletas azuis ou entre vários adversários.
O motorzinho subutilizado
De que adianta ter um motor potente se você só vai utilizar as três primeiras marchas no trânsito da cidade? Esta é a principal crítica do torcedor com relação a Kanté. O campeão do mundo vem enfrentando dificuldades em adaptar o seu jogo às exigências dos treinadores, que querem um jogador mais completo e participativo no campo de ataque.
Isto é essencial no futebol moderno. Contudo, existem várias opções para “transformar” o camisa 7 em uma arma ofensiva. Colocá-lo para pressionar a defesa adversária, fazer ultrapassagens e receber de costas no ataque não são algumas delas. E é exatamente isso o que fez Sarri e o que está fazendo Lampard quando o coloca junto a Kovacic e Jorginho.
Um dos maiores ladrões de bola do mundo, Kanté é como um peixe que é julgado pela sua incapacidade de subir em uma árvore. Além disso, sua simpatia como indivíduo parece deixar mais claro ainda que ele é quem deve jogar. Todavia, o percentual de passes certos e ações ofensivas efetivas no time titular podem dizer o contrário. Ou seja, ele é fundamental em um time reativo, mas, em estratégia de posse de bola, é inútil.
A solução do dilema
Sabe aquele diagrama que mostra itens como vida social, dinheiro, saúde mental e afins, e diz que você só pode ter alguns e não todos? Isto é o que acontece com o meio de campo dos Blues. Se Lampard quiser um time ofensivo com qualidade na saída de bola, tem de ir com Kovacic e Jorginho. Por outro lado, se desejar mais equilíbrio, deve escalar o ítalo-brasileiro e Kanté.
Mas e a dupla formada pelo croata e pelo francês? Esta seria a pior combinação entre eles (para o esquema do inglês) pois o time perderia tanto na saída de bola quanto na marcação. Entretanto, se por um milagre o manager decidir jogar em um 4-4-2 como o de Simeone e estiver ganhando o jogo esperando por uma bola para matar a partida, o poder de transição da dupla seria melhor empregado.
Apesar de termos utilidade para todos – em teoria – vale lembrar que a filosofia de jogo do inglês não deve mudar. Além disso, Kanté tem o maior salário do elenco e é melhor dispensá-lo ao vê-lo no banco ou improvisado. O crescimento do elenco de Lampard passa pela escolha entre dois dos três jogadores.
Dito tudo isso, é importante salientar também que estamos em começo de novo trabalho. As contratações excelentes ainda não estrearam e o time não está entrosado. Pode ser que os três incompatíveis se tornem os melhores do campeonato juntos. Mas a torcida do Chelsea não é famosa por sua paciência, que parece direcionada pelo lado emocional.
O que você faria se fosse o Super Frankie? Deixe nos comentários e compartilhe nas redes sociais com a sua solução para o dilema dos Blues.