Com a temporada 2019/20 chegando ao fim, começam as análises dos times, jogadores e treinadores. É certo dizer que a primeira época de Frank Lampard à frente dos Blues teve saldo positivo. Mas como esse começo de trabalho foi construído? O inglês teve como base o time vencedor da Europa League comandado por Maurizio Sarri. Entretanto, apesar de algumas similaridades, os dois possuem traços que os fazem quase opostos.
Assim, no Lupa Tática desta semana iremos analisar as principais diferenças entre o italiano e o inglês. Além disso, a proposta aqui também é apontar qualidades e defeitos – presentes em toda estratégia. E, por fim, traçar um prognóstico para a próxima temporada, com tudo o que Super Frankie aprendeu ao longo desta.
Visão Geral: o filósofo e o atleta
Sarri resume bem a sua visão dizendo que os seus times “sempre tentam tomar a iniciativa e impor o estilo de jogo, independente do local, adversário ou situação”. Isso significa que a forma de jogar e de abordar a partida é sempre a mesma. Já o inglês prefere reagir a esses fatores pétreos – para o italiano – e mudar algumas características conforme necessário. Assim, seu pensamento é mais fluido e menos mecânico.
O Sarribol é definido claramente por três características principais: a manutenção da posse de bola; conexões rápidas no último terço, geralmente pelo chão e dependendo da movimentação entre os atletas; e uma linha de defesa alta para pressionar a saída de bola. Assim, para ele, o 4-3-3 com um jogador só na base do meio-campo é o único esquema ideal.
Por outro lado, o “Frankiebol” – patente pendente – se baseia na adaptabilidade, flexibilidade e verticalidade. Isso pode ser melhor exemplificado pela grande quantidade de bolas longas (para chegar mais rápido ao ataque), variação tática (ele usou mais de cinco esquemas ao longo da temporada) e quantidade de atletas utilizados na época.
Construção de jogadas
Ambos os treinadores gostam da posse de bola e de começar jogando com seus defensores. Entretanto, o sistema de Sarri tem no primeiro homem de meio-campo (regista) e no goleiro-líbero as principais peças para começar o ataque. Assim, o italiano libera um dos laterais para avançar, os zagueiros para subir a marcação e os atacantes para se movimentarem. Além disso, a troca de passes curtos e rápidos é fundamental para a quebra de linhas.
Por sua vez, o time de Lampard fica confortável e por vezes prefere o lançamento longo. Normalmente buscando o pivô do centroavante. Já no setor central, a orientação é sempre buscar os atacantes o mais rápido possível. Além disso, o centroavante não recua com tanta frequência e os pontas centralizam para a passagem dos dois laterais/alas ao mesmo tempo.
O grande problema da tática atual do Chelsea é que o ataque é orientado para cruzamentos. Enquanto isso, os meias saturam a grande área para dar mais opções de passe. Contudo, com o baixo aproveitamento das bolas na área, o primeiro homem do meio fica sobrecarregado e há espaços nas alas e entre as linhas.
Mas, se a filosofia de Sarri estava mais pronta, ela demora proporcionalmente muito mais para ser implementada. Todos os jogadores devem ter as características certas e o correto entendimento de suas funções dentro de campo para que as engrenagens funcionem. Portanto, no pouco tempo que teve o italiano, seu time era previsível, sem o dinamismo desejado e facilmente superado.
Fase defensiva
Assim como na construção de jogadas, a fase defensiva preferida dos dois treinadores começa com a pressão alta. Todavia, Lampard se utiliza do avanço dos meias para gerar superioridade numérica. Já a pressão de Sarri é orientada pela localização da bola e não pelos jogadores. Ou seja, a estratégia do italiano neste quesito também sofria com a implementação mais difícil e demorada.
Além disso, a linha defensiva do ex-Napoli participa da primeira pressão, deixando o time mais compactado e capaz de retomar a posse rapidamente. Com o ex-camisa 8 dos Blues, os defensores mantêm o seu posicionamento durante os primeiros momentos do ataque adversário. Entretanto, logo depois o time inteiro volta, deixando só o centroavante próximo à linha do meio campo para ser a referência do contra-ataque.
Apesar das diferenças, ambos os treinadores têm problemas com as investidas adversárias, principalmente quando a marcação avançada não funciona. Os times de Sarri ficam suscetíveis a bolas longas atrás da defesa (daí a importância do goleiro-líbero e de zagueiros rápidos). Já o Chelsea de Lampard deixa espaços à frente dela. Isso cria no atual time dos Blues uma falsa sensação de segurança, que é rapidamente destruída por jogadores mais rápidos que podem avançar e criar superioridade numérica contra a defesa.
Manager x Jogador
O italiano sempre foi visto como um pensador do jogo. Sua crença em uma fórmula exata para a construção dos resultados é evidente. Já Lampard deixa transparecer no seu trabalho a vivência como jogador. Um não foi futebolista profissional e o outro foi um dos melhores do mundo. Claramente esta experiência os moldou de formas diferentes.
Além disso, uma das principais diferenças é que Sarri é um ideólogo do futebol e acredita nas funções desempenhadas pelos atletas. Lampard contrariamente foca na qualidade inerente do atleta e busca maximizar as suas potencialidades dentro do contexto do time. Isso fica evidente quando o papel de Jorginho é avaliado sob os dois managers. Para o antigo chefe, o ítalo-brasileiro era a engrenagem principal que geria seus resultados em campo. Todavia, para o atual comandante, ele é apenas um bom passador que dita o ritmo do jogo.
Ambas as abordagens têm prós e contras. Se a crença primordial é que o jogador deve se submeter ao treinador, o caminho do italiano é o ideal. Porém, se a relação com os atletas e a liberdade individual é mais importante, Lampard dá e continuará dando aulas de como administrar seu elenco.
É certo que o atual técnico dos Blues é um aprendiz voraz de conceitos de outros treinadores, inclusive do próprio Sarri. Os seus “erros” nesta temporada devem ser vistos mais como “faltas”, ou seja, falhas que podem e serão trabalhadas. Apesar disso, a utilização dos jovens, a boa relação com a diretoria e a sua capacidade de elevar as habilidades técnicas dos jogadores são pontos positivos que geram mais expectativa para a próxima temporada.