Giroud feliz

Lupa Tática: Giroud, o facilitador

Na cultura popular e até na dramaturgia, a figura do facilitador sempre surgia quando negócios escusos estavam em movimento e precisavam de uma “mãozinha”. Então, seja para encontrar compradores para obras de arte furtadas ou para fazer novos documentos falsos, o facilitador sempre teve uma conotação negativa.

Contudo, recentemente esse conceito foi apropriado pelo futebol para melhor definir os jogadores que jogam para o time. Mais especificamente para aqueles centroavantes que ocupam espaços e puxam a marcação para permitir que outros, mais velozes e habilidosos, os explorem. Mas, qual é a importância dessa figura nos dias de hoje? E mais, como um atacante de 34 anos pode se manter relevante em uma liga tão disputada como a inglesa atuando dessa forma?

Portanto, para descobrir como Olivier Giroud pode ser peça importante para Lampard, continue lendo.

Até Deschamps viu

Desde a preparação para a Eurocopa de 2016, o mundo torceu o nariz para a escalação de Giroud. O centroavante foi usado como titular de uma França que se qualificava como uma das principais forças do cenário mundial. Apesar das críticas, o resultado não poderia ter sido mais favorável para o atleta.

Olivier Giroud marca duas vezes e França goleia Ucrânia por 7 a 1
Olivier Giroud tem a total confiança de Deschamps (Chelsea FC / Website)

Entretanto, foi só depois do título da Copa do Mundo de 2018 que a avalanche de comentários se intensificou. Giroud passou a competição inteira sem acertar um único chute no alvo e já era conhecido por passar um jogo inteiro sem tocar na bola. Mas, como isso pode ser uma coisa positiva, vocês perguntam. Eu respondo: o time conseguiu as vitórias por causa do homem de frente e não apesar dele.

Profissão pivô

Dadá Maravilha, quinto maior artilheiro brasileiro na história, disse que “no futebol há nove posições e duas profissões: goleiro e centroavante”. A ideia, por mais enaltecedora que fosse para os “camisa 9”, não abrangia a função específica do pivô. Ou seja, para o brasileiro, centroavante tem que fazer gol, e parafraseando novamente Dadá, “não existe gol feio, feio é não fazer gol”.

Apesar de fazer muito sentido, essa máxima pode se adequar ao futebol antigo. Atualmente, principalmente nas maiores ligas, o jogo bretão evoluiu tanto que exige adaptação constante. Não à toa surgiram os goleiros-líberos e os falsos-nove. Contudo, num mundo futebolístico cada vez mais generalista em que cada jogador deve saber fazer de tudo, acaba-se esquecendo do especialista.

O mundo mudou

No futsal, o pivô é o foco do time e o jogador que dita todas as jogadas. Sempre de costas para o gol adversário, o atleta (normalmente mais alto e forte que os demais) causa problemas escorando a pelota para os companheiros e abrindo espaços por meio da movimentação e das tabelas.

Já no futebol de campo, o pivô foi esquecido e preterido, cada vez mais, em função de jogadores com maior mobilidade e velocidade, que pudessem se aproveitar de zagueiros mais lentos e de “cintura dura”. Entretanto, um fenômeno curioso aconteceu: os defensores também se tornaram mais leves, ágeis e baixos. Portanto, há agora um novo momento no futebol, que é o resgate dos centroavantes de origem: altos, fortes e que fazem o pivô. Mas, com a diferença de que agora o atleticismo do preparo físico os torna mais rápidos.

Uma das boas chances do Chelsea no primeiro tempo. Primeiramente, escanteio cobrado por Mount. Posteriormente, cabeceio de Giroud por cima do gol de Rui Patrício. (Chelsea FC / Site)
Giroud é referência na área'(Chelsea FC / Site)

Assim, a exigência das grandes ligas funcionou como uma seleção natural e vemos despontar ou retornar aos holofotes nomes com todas essas características. Os casos mais proeminentes atualmente talvez sejam o de Lewandowski, ganhador da Bola de Ouro, e de Haaland, joia promissora do Borussia Dortmund.

Todavia, Giroud possui algo que nenhum desses têm: o foco exclusivo em facilitar o jogo para os companheiros. Muitos coachs e espiritualistas poderiam afirmar aqui as vantagens de se ter somente um foco na vida. Portanto, na profissão não é diferente. Muito menos no futebol. Assim, o francês constrói uma importância silenciosa para os clubes que atua e, principalmente, para a atual seleção campeã mundial, que é franca favorita ao bicampeonato.

Centroavante que não faz gols

No time de Lampard, contudo, a história é um pouco diferente. Apesar de ser conhecido como um atacante que não faz gols, Giroud está em uma das fases mais goleadoras da carreira. Na última temporada foi um dos goleadores da equipe, mesmo tendo atuado em menos da metade das partidas. No ano de 2020, o francês possui o melhor aproveitamento da liga com um gol a cada 106 minutos.

giroud melhor finalizador da liga
Giroud tem o melhor aproveitamento da liga inglesa (Foto: Reprodução Sky Sports)

Isso se dá pela soma de alguns aspectos. O primeiro, com certeza, é a sua especialidade na função. Porém, existem três outras características que aumentam sua importância e dão longevidade ao seu futebol: a parte física, a parte mental e a parte técnica.

Na parte física, o condicionamento demonstrado pelo atleta de 34 anos é de fazer inveja a muito garoto. Não sendo um velocista nem um carregador de bolas, suas corridas se resumem à inteligência e aos “atalhos” só encontrados pelos veteranos ou especialistas. Giroud é ambos.

Já na parte mental pode-se destacar o seu profissionalismo, comportamento dentro e fora de campo e, principalmente, a inteligência na hora de abrir espaços, o que torna a sua especialidade muito mais fácil.

gol de cabeça é marca registrada
Giroud é presença certa nos gols de cabeça (Foto: Standard)

Por fim, o aspecto talvez mais evidente seja a qualidade do seu toque de primeira. Seja para finalizar ou para participar de tabelas, os recursos com pés, cabeça, peito e coxas para tocar na bola da melhor forma possível em situações desfavoráveis contribuem para o ótimo envolvimento de Giroud nas jogadas. Percebe-se isso nos tentos marcados. De todos os 37 assinalados pelo atacante com a camisa azul, 31 foram de primeira.

O que fazer agora?

Não há dúvidas de que Lampard está na famosa “sinuca de bico”. Werner chegou com pompa de astro e ainda não conseguiu engrenar. Por outro lado, há Abraham, cria da base e que ainda oscila altos e baixos. E há Giroud, um veterano francês que, quando entra, faz gols e, mais importante, o time vence. Portanto, há uma decisão a tomar: ou o manager abraça de vez o jogo focado no pivô e aproveita a sua boa fase colocando os atletas certos nas posições certas para explorar o seu facilitador ou aposta no futuro abrindo mão de um dos poucos atletas consistentes na atual temporada.

E você? O que faria se estivesse no lugar do treinador? Deixe seu comentário aqui embaixo.

Category: Conteúdos Especiais

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Article by: Lucas Jensen

Jornalista que ainda acredita que o futebol pode ser apreciado sem torcer (mas não se segura e torce mesmo assim). Fã de tática e do jogo reativo, se deleita nos contra-ataques e toques 'de primeira'. Amante racional da Premier League e nostálgico do Calcio, seus hobbies incluem teorias mirabolantes e soluções inusitadas.