No começo do mês passado, o Chelsea estava no fundo do poço. Jogaria o replay contra o perigoso Birmingham, pela FA Cup, fora de casa. Estava longe de Tottenham e Arsenal, na classificação da EPL. E nas oitavas da Champions League, carregava o carma da derrota por 3×1, sofrida contra o Napoli, na Itália.
Roberto Di Matteo assumiu interinamente, e de quebra, colocou o time nas semi finais da FA Cup e da Champions League e conseguiu reduzir para apenas 3 pontos a diferença dos Blues para o G4.
De volta após alguns meses, a sessão Análise Tática vai voltar um pouco no tempo para analisar as mudanças táticas ocorridas com a troca de comando no Chelsea. Comente!
O exposto Chelsea de André Villas-Boas
O Chelsea de André Villas-Boas era notável pela forma como a zaga dos Blues jogava exposta. Em um time desequilibrado, praticamente todos os jogadores tiram licença para tentar o ataque, e o time levou muitos gols (como na goleada sofrida por 5×3, contra o Arsenal) jogando assim.
Seus 3 erros capitais pelo Chelsea foram:
1) Apenas jogadores com características ofensivas: AVB atuava com jogadores ofensivos em todos os setores de campo. Meireles, segundo volante no Porto e armador no Liverpool, tornou-se primeiro volante no Chelsea, ainda que jogadores mais indicados para a função, como Mikel, Romeu e Essien estivessem muitas vezes disponíveis. Os dois laterais, Bosingwa e Ashley Cole, subiam muito e não tinham cobertura, pois Ramires e o próprio David Luiz subiam também.
2) Defesa extremamente mal armada: Para piorar, a zaga do Chelsea jogou boa parte da Era AVB em linha “burra”. Infantilmente armada, muitos gols sofridos pelo clube, como nas derrotas contra Manchester United e Arsenal, foram causados por jogadores que facilmente passaram de trás da linha para frente, em simples tabelas. Confira a Análise Tática feita após a derrota contra o Arsenal, evidenciando os problemas defensivos do time, naquela altura.
3) Jogadores adaptados ao esquema, não o esquema adaptado aos jogadores: Com AVB, a ideia era direta: os jogadores teriam de se adaptar ao seu esquema dos tempos de Porto, não o seu esquema que seria adaptado de acordo com seus jogadores. No desenho acima, é possível observar diversas improvisações: Meireles, como já citado, atuando de primeiro volante; Lampard, a esquerda, atuava como Belluschi ou Moutinho, volantes de rotação, na época de Porto; Juan Mata, meia armador, era ponta esquerda como Varela; Sturridge, atacante, fazia a função de Hulk; e para piorar, Fernando Torres jogava como falso 9, tendo que recuar demais para o meio campo. Essa sua escalação parece ter sido inspirada na forma como Messi, jogador de características totalmente diferentes a de El Niño, atuava no Barcelona. Resumindo, o Chelsea de AVB foi uma imitação forçada e mal feita do Barcelona de Guardiola e do Porto do próprio AVB.
Di Matteo assume e arruma a casa, começando pela defesa
Di Matteo assumiu o Chelsea, e já nas primeiras partidas, contra Birmingham e Stoke City, visou arrumar a defesa do clube. Agora, o time jogaria no 4-2-3-1 e teria dois volantes dedicados à proteger a zaga e os laterais. Luiz, que era exageradamente acionado na época de AVB, ficou mais contido, assim como Ivanovic, melhor na marcação, ganhou a posição do fraco Bosingwa, xodó de AVB, na lateral direita.
Com isso, o Chelsea de Di Matteo levou pouquíssimos gols, conquistando vários Clean Sheets. A única partida, até hoje, onde a zaga foi vazada mais de duas vezes, foi contra o Manchester City, onde tomamos justamente dois gols. De um adversário 100% em casa, que lutava pelo título e inclusive, havia feito 6 no Manchester United.
Outra característica que melhorou muito o sistema defensivo foi a forma como os wingers, do 4-2-3-1, passaram a apoiar a defesa. Com AVB, Mata e Sturridge eram nulos na marcação. Agora, Ramires virou meia direita e Kalou estava de volante a meia esquerda. Ambos com características físicas e até de marcação suficientes para fechar o meio campo e ajudar muito o trabalho dos laterais.
O sistema ofensivo também melhorou: Mata, agora, jogava centralizado, distribuindo o jogo, como nos tempos de Valencia. E Drogba (ou Torres), era, de fato, um centro-avante.
Di Matteo: Sem medo de mudar durante a partida
Ao contrário de AVB, Di Matteo não tem medo de mudar o time durante a partida. Por exemplo, na partida contra o Stoke City, o Chelsea passou a jogar com um jogador a mais. Imediatamente, Raul Meireles, segundo volante, foi sacado para a entrada de Lampard, que passou a jogar ao lado de Mata na armação, agora em um 4-1-4-1.
O time ganhou ofensividade, e ao mesmo tempo, não ficou exposto, pois ainda contava com Mikel no suporte à defesa. O Chelsea passou a ter mais posse de bola, dominou a partida e chegou a vitória com Drogba, além de inúmeras outras chances de gol, que pararam em goleiro e trave adversária.
… e sem medo de mudar antes da partida
Contra o Napoli, a necessidade pelo resultado levou Di Matteo a mais uma vez mudar o esquema tático da equipe. Aproximou Mata do ataque em um 4-4-1-1, onde Essien e Lampard ganharam a função de iniciar as jogadas e Sturridge e Ramires, em velocidade, passaram a jogar pelas pontas.
Ramires foi deslocado ao lado esquerdo, pela primeira vez no Chelsea, e deu passe para o primeiro gol, de Drogba. O Chelsea se comportou muito bem defensivamente – o gol do Napoli foi belíssimo, méritos para o time italiano – e conseguiu ter a posse de bola e chegar, através de jogadas em velocidade e bola parada, aos gols que levaram o duelo a prorrogação.
Di Matteo mudou mais uma vez o time, para lidar com a ineficiência de Sturridge, com as entradas de Malouda e Torres, passando o time ao 4-4-2. A jogada de Drogba, saindo da área e articulando com Ramires, é típica desse esquema, como o Chelsea no inicio da Era Ancelotti. E foi a jogada do quarto gol.
4-2-2-2
Em alguns momentos, buscando fugir da falta de criatividade de alguns jogadores do Chelsea e também para garantir a utilização da dupla Drogba/Torres, Di Matteo buscou o 4-2-2-2. Mais recentemente, no segundo tempo da vitória contra o Wigan, mas também em partidas contra Napoli e Tottenham.
Com esse esquema, Torres cai pela direita e Drogba pela esquerda. Há o revezamento. Dois meias fazem jogadas variando pelo meio e pelas pontas. Os volantes continuam com a habitual proteção. É possível ver no lance do gol da vitória, contra o Wigan: Mata sai da ponta, cai pelo meio e tabela com Drogba, que abre para Torres na ponta finalizar. Mata, na área, concretiza a vitória.
Esse esquema, por incrível que pareça, nunca foi utilizado pelo Chelsea. AVB, Ancelotti e Mourinho, em passagens anteriores, buscaram o 4-4-2 com um losango no meio campo para comportar duplas como Shevchenko/Drogba, Kezman/Drogba, Anelka/Drogba, Torres/Drogba.
Carlo Ancelotti chegou a testar um 4-4-2 com duas linhas de 4, mais tradicional, na reta final da temproada 2010/2011. Mas esse esquema de Di Matteo é diferente, pois os volantes fazem a habitual proteção do 4-2-3-1, a frente da zaga, e a única diferença é a ausência de um meia central.
Os dois meias circulam, em uma espécie de quadrado no meio campo, e os dois atacantes podem tanto sair quanto ficar na área. É o esquema utilizado por Zagallo nas Seleções Brasileiras bem sucedidas dos anos 90, comportando gente como Rivaldo, Leonardo, Romário, Bebeto e Ronaldo. Um bom esquema para encaixar talentos e uma boa alternativa para o 4-2-3-1, que hoje, é o esquema tático definitivo da equipe.
Conclusão
Di Matteo, em um mês, deu a forma que AVB não conseguiu dar ao Chelsea em meio-ano. O time, agora, tem padrões, valores táticos, conjunto e até entrosamento. Em muitos momentos, ainda é visível que é um time comandado por um treinador interino, que claro, não teve tanto tempo para treinar e impor todas suas ideias.
Mas a melhora é gritante e sim, a demissão do prepotente André Villas-Boas, que não respeitou as características táticas dos jogadores do Chelsea – que ainda foram ridiculamente utilizados pelo português como bodes espiatórios para a má fase – foi um grande acerto da diretoria.
Mourinho, Grant e Ancelotti podem ter sido demissões extremamente equivocadas. Mas a ação que foi errada nessas ocasiões não é necessariamente errada em outra ocasião, em outro contexto diferente. Como não foi.
O Chelsea, de Roberto Di Matteo, caminha para um digno fim de temporada.