Antes do jantar para levantar fundos para caridade – ‘One Special Evening’ (Uma Noite Especial), José Mourinho falou com Rick Glanvill – historiador oficial do clube, em uma entrevista exclusiva e especial que o Chelsea Brasil traz para você em duas partes. Leia abaixo a primeira onde Mourinho fala da emoção de voltar ao Chelsea e de como esse clube merecia ter a taça da Champions League na sua sala de troféus.
Rick Glanvill: Qual a sua resposta para aqueles que dizem ‘Nunca volte’?
José Mourinho: Eu sempre achei essa frase estúpida, mas claro que depende da situação. Eu nunca voltaria para um lugar onde eu não tenha sido feliz. Eu penso exatamente o oposto. É um risco se eu voltar e não conseguir repetir as coisas que fiz e as pessoas esquecerem disso? Sim, talvez. Mas eu não acho que essa seja a filosofia do Chelsea. Eu sinto que aqui os torcedores são muito ligados àqueles que fizeram coisas pelo clube no passado. Eu senti isso muitas vezes com ex-jogadores que vieram até aqui defendendo outras equipes e as pessoas os trataram como se eles ainda estivessem aqui. Eu não temo esse risco, mas também creio que serei bem-sucedido aqui novamente porque o que me foi proposto não foi simplesmente vir aqui, estalar os meus dedos e ganhar títulos logo de cara. Nós sabemos que não é assim que funciona, principalmente com esse perfil de jogadores que temos agora, que é bem diferente do elenco de 2004. Eu tenho certeza que eu terei sucesso aqui novamente porque eu acredito no trabalho, no clube, nos jogadores e no projeto global. Eu acredito no clube sabendo que em cada janela de transferência nós temos de fazer boas coisas para melhorar o time cada vez mais. Então eu creio que tenha sido uma ótima decisão voltar.
RG: Quando você pisou em Stamford Bridge no seu retorno, parecia que você estava emocionado. O que você sentiu quando você voltou?
JM: Eu trouxe minha família para assistir o jogo – algo que eu nunca faço. Normalmente apenas o meu filho vem, minha filha e minha esposa nunca vão aos jogos. Eu fiz isso porque queria que eles entendessem porque eu decidi voltar. O meu filho era muito novo na minha primeira passagem aqui, então eu queria que eles viessem porque sabia que eles entenderiam imediatamente porque eu queria tanto voltar para cá e eles puderem sentir exatamente o que esse clube significa para mim, o que eu significo para o clube e também o que é a atmosfera de uma partida da Premier League. Não apenas no campo, mas fora do estádio, andando pelas ruas antes e depois do jogo. Eu os trouxe justamente por causa dessa sensação. Eu já esperava uma reação como a que recebi porque quando eu estava aqui quando ex-jogadores voltaram para jogar contra o Chelsea. Eu voltei aqui pela Inter para jogar contra o Chelsea, então eu tinha uma ideia do que esperar ao sentar novamente no banco do Chelsea, de que seria especial e realmente foi.
RG: O time mudou, e você, como mudou desde que deixou o clube?
JM: Eu tive grandes experiências. Dois anos na Itália, três na Espanha. Isso é como não apenas terminar a faculdade, mas também fazer um mestrado e um doutorado. Eu fiz tudo em cada país importante do futebol, em clubes importantes , sempre com ambições para vencer títulos, sempre grandes jogadores, grandes adversários – tanto em termos de jogadores como clubes – nas ligas domésticas. Eu aprendi muito e a experiência me fez melhor. Tenho mais de 100 partidas pela Champions League, nem sei quantas pelas ligas nacionais, então hoje eu tenho um leque de experiências, mas creio que (mudei) principalmente em termos de perfil. Eu sempre tento planejar a minha carreira, tanto que na primeira vez que trabalhei aqui nunca pensei em ficar aqui pelo resto da minha carreira. Quando fui para a Itália eu fui porque planejei trabalhar na Itália para sentir a liga italiana, a filosofia de futebol deles e competir contra eles. Depois de lá eu quis ir para a Espanha. Eu quis ir para lá não porque o meu principal rival seria o melhor time do mundo, eu não ligo para essas coisas, mas porque aquele era o próximo projeto na minha carreira. Eu terei um novo projeto no dia que o Chelsea mudar o deles, mas eu não penso nisso agora, dessa vez será totalmente diferente aqui, meu perfil hoje é diferente.
RG: Pela primeira vez?
JM: Sim, pela primeira vez na minha carreira. Eu não estou construindo algo apenas para mim e para o presente. Eu estou construindo e pensando em ficar aqui por um longo tempo. Então o projeto é diferente, mas eu sou praticamente o mesmo.
RG: Os torcedores adoraram a frase que você disse quando retornou ‘Eu volto como um deles’ – como um torcedor do Chelsea. Como você assistiu a final da Champions League de 2012?
JM: Antes de mais nada, eu estava em uma das semifinais e o Chelsea na outra e o destino quis que nós não nos encontrássemos porque nós (Real Madrid) perdemos nos pênaltis.
RG: Os torcedores do Real queria jogar contra o Chelsea também?
JM: Sim, por causa do Barcelona, pois o Chelsea estava jogando contra o Barcelona. Foi a mesma coisa quando pela Inter nós batemos o Barcelona na semifinal. Para o torcedor do Real é sempre a mesma coisa (torcer contra o Barcelona). Mas o destino não quis que nós jogássemos contra o Chelsea e eu pude assistir a final sem aquela tristeza de ter perdido na semi. E você sabe como é futebol, futebol é algo gigantesco e creio que aquela foi a melhor noite na história do Chelsea. Com certeza não era o melhor time da historia porque eles tiveram uma temporada ruim e fraca. Se não fosse por aquela vitória o Chelsea não teria jogado a próxima Champions League, então creio que justiça foi feita.
RG: Justiça do futebol…?
JM: Sim, justiça do futebol porque uma semifinal como aquela que vocês tiveram com o Ranieri, e perder para o Mônaco da maneira como vocês perderam foi inacreditável – mas bom para mim! Foi fácil para mim na final (quando o Porto bateu o Mônaco). Depois daquilo, comigo, nós tivemos o ‘gol fantasma’, depois perdemos uma semifinal nos pênaltis. Depois uma final nos pênaltis, depois aquele escândalo na semifinal de 2009 – aquele foi um dos maiores escândalos da historia. Colocando tudo junto, seria um desastre se o Chelsea não levantasse o troféu da Champions League um dia, principalmente para essa geração de jogadores. Apesar de o time ter sido muito melhor nos anos anteriores – o time que jogou a final em Moscou (contra o United em 2008) era incomparavelmente melhor que o time de 2012.
RG: Onde você assistiu?
JM: Em casa, com minha família. Foi tudo perfeito pelo fato de um chute do Didier ter dado a eles o título. Só poderia ser Didier, Terry ou Frank, apenas um deles – além das grandes defesas que Petr fez também. Não foi a melhor partida, nem a melhor apresentação do time, mas foi o santo graal que finalmente veio, e essa é a historia e eles fizeram historia.