O técnico José Mourinho colocou ainda mais lenha na fogueira na discussão sobre a ausência de Juan Mata – eleito melhor jogador do time nas duas últimas temporadas – nos jogos desde que assumiu a posição de treinador dos Blues. Oscar tem sido escolhido para começar entre os titulares na maioria das partidas que o time disputou nessa temporada e Mourinho deixa claro que os motivos não são físicos – já que Mata teve uma contusão durante a pré-temporada – mas técnicos e táticos.
Antes de qualquer coisa, é preciso entender o contexto do camisa 10 na cultura europeia. No Brasil a camisa simboliza essencialmente a estrela do time. Atacantes, meia-atacantes e jogadores de meio campo com grande liderança no time já usaram o número mais glamouroso do futebol brasileiro. Não há tal relação na Europa, onde o chamado #10 tem mais a ver com a função que ele exerce do que com a importância em termos de liderança e qualidade na equipe.
Para europeus o camisa 10 é o jogador de criação também conhecido como playmaker. Cabe a esse jogador mandar no meio-campo ofensivo do time com assistências, criação de situações claras de gol, além de claro, marcar tentos para sua equipe. Na maioria dos casos – ou até bem recentemente, esse jogador não tinha preocupações defensivas do time, sendo poupado de tais responsabilidade em prol da contribuição ofensiva. Atualmente o melhor jogador na posição estatisticamente é Mesut Özil – agora jogador do Arsenal – com 75 assistências nos últimos cinco anos. Nesse contexto poucos ousariam dizer que Oscar é superior a Mata, já que na temporada passada, em partidas pela Premier League, Mata marcou 12 gols e deu o mesmo número de assistências enquanto as estatísticas de Oscar para ambos quesitos foi cinco.
Mas Mourinho em entrevista ao jornal The Guardian deixa claro que ele espera mais do que criatividade de seu camisa 10. Oscar recentemente disse à revista do clube que o #10 puro e tradicional não existe mais, aludindo não à extinção de jogadores com tais características, mas implicando que hoje todos precisam contribuir com a marcação e defesa dos sistemas táticos. Times modernos atacam e defendem em blocos e fica cada mais difícil para o técnico dar liberdade para mais de um jogador em termos defensivos – já que a maioria dos atacantes não têm qualidade técnica suficiente para contribuírem com o work-rate do time. Essa expressão, também comum no futebol europeu, dá uma ideia de compromisso do jogador com todas as zonas do campo, ajudando na marcação não apenas no campo ofensivo (no caso de atacantes e meia-atacantes), mas também de descidas até a defesa para cercar jogadores e tentar roubadas de bola. O mesmo se aplica aos jogadores de defesa ao melhorarem o passe e oferecerem opções de criação e marcarem gols no ataque. É como se todos tivessem as mesmas responsabilidades, apenas em proporções diferentes.
O Chelsea não foi exatamente uma referência de time com jogadores com alto work-rate nas duas últimas temporadas e parece que não apenas isso vai mudar, como vai se tornar essencial para o time nas palavras de Mourinho.
“Eu não gosto da maneira como o Chelsea jogou os últimos dois anos, o clube [na pessoa do proprietário Roman Abramovich] não gostou também e por isso nós queremos mudanças. Queremos jogar um estilo diferente. O passado é história agora – inclusive o meu – eu estou aqui como se tivesse acabado de chegar [pela primeira vez],” falou claramente o técnico.
Perguntado a respeito da situação de Mata especificamente, Mourinho não fugiu do confronto e ainda que não tenha revelado o conteúdo das conversas particulares com o jogador sobre o seu desempenho e o as expectativas do técnico para ele – o português fala nas entrelinhas que o estilo do espanhol não encaixa e não poupa palavras para deixar claro que o seu homem de confiança para a posição é Oscar.
“Da maneira como eu vejo a situação e os motivos pelos quais ele [Mata] não tem jogado tão frequentemente são coisas que eu não falo publicamente, mas apenas com o jogador. Porém ele começou o jogo contra o Everton e você pode analisar o desempenho dele na partida. Ele entrou no jogo contra o Basel quando estávamos ganhando por 1×0, com instruções específicas a respeito do que ele deveria fazer. Tudo faz parte de um processo. Uma coisa é jogar com Ramires e Oscar [como volantes] um de cada lado marcando as saídas de bola dos adversários, com o Mata jogando como #10 atrás do atacante criando assistências, dando passes inteligentes e tomando decisões incríveis, pois ele é muito talentoso. Outra coisa é adaptar a maneira como queremos jogar. Nesse momento Oscar é o meu #10 e se alguém me disser que alguém jogou melhor do que ele para nós nessa temporada eu vou discordar. Eu tenho de provar para os torcedores as minhas [atuais] qualidades e o Mata também,” Mourinho esclareceu.
Além dos elogios, o técnico também deixou claro que não vai usar Oscar na posição de volante – algo muito sugerido na Inglaterra entre torcedores e mídia – e que o fato dele ser o camisa 10 [na função, não no número] da Seleção Brasileira mostra que sacrificá-lo no meio-campo não é um opção que Mourinho vai cogitar.
“Está no nosso escopo recuperar o Mata, mas isso só vai acontecer quando ele se adaptar ao que queremos. Eu não estou pronto para pedir para o Oscar voltar e marcar os laterais adversários. O Brasil tem mais jogadores de criação talentosos do que qualquer outro país no mundo e Oscar é o titular na posição na seleção. Eu quero construir o time ao redor do Oscar como o 10, eu quero que os dois alas se adaptem à essa realidade e aprendam a fazer coisas que não estavam acostumados a fazer antes. Os jogadores têm se mostrado abertos para algumas mudanças e nem tanto para outras porque são mais difíceis de serem executadas. Se eu sou um jogador de ataque eu prefiro não ter de guardar posição e ter outros jogadores atrás de mim dando cobertura [para a minha liberdade], sem precisar me preocupar em voltar para marcar. É uma questão de mudança de mentalidade e isso leva tempo, mas não se preocupem, pois não vai levar cinco, seis, sete anos, eu prometo.”