O técnico José Mourinho está na capa da revista inglesa de variedades Esquire e a edição de março conta com uma extensa entrevista do treinador sob um ponto de vista diferente. Por não ser uma publicação esportiva, o tom, a maneira como é conduzida e o conteúdo da entrevista trazem um insight sobre o técnico que é uma celebridade na Inglaterra e não apenas um treinador de um time de futebol. Falando de moda, carros, mas é claro, também futebol, Mourinho dá detalhes sobre o seu estilo de trabalho.
Acostumado com perguntas técnicas, jogadores que estão em condições de jogo ou não, opções táticas a serem usadas, times e técnicos adversários dentre outras particularidades do esporte, o treinador falou de maneira mais casual sobre as nuances da sua profissão. A primeira coisa que ele admite, é enviar uma saudação de boas-vindas assim que é contratado, antes mesmo de se encontrar com algum de seus jogadores. A carta é um sumário do que os aguarda, algo quase como direitos e deveres, mas que os prepara para as expectativas do futuro comandante. Mourinho escreveu a primeira versão do documento ainda em papel, quando chegou o Sporting em 2002 para comandar o time da capital portuguesa. “Hoje em dia há aplicativos no telefone e no iPad, então não foi mais uma carta em papel,” brincou o treinador sobre o SMS que cada um dos seus jogadores recebeu horas depois do acordo entre os diretores do clube e português, muito antes que a mídia soubesse da contratação de Mourinho.
Segundo o mestre tático, as orientações que ele passa nesse primeiro contato não mudaram muito ao longo da última década. O foco é sempre na coletividade do esporte, onde cada indivíduo tem de submeter as suas ambições pessoais aos objetivos do time. Há uma infinidade de jogadores que testificam que o português é justo, e ele deixa isso claro, mas também faz questão de informar que cada uma das suas decisões visam os interesses do clube. Mas como além de ser um expert nos aspectos estratégicos do jogo, Mourinho é um dos ases do esporte em psicologia dos vestiários, o treinador também se compromete com aqueles que se renderem totalmente à sua maneira de trabalhar e garante que fará deles a melhor versão que podem possivelmente ser.
“Não há mais ‘Eu te respeito porque você é o técnico’. O jogador de futebol hoje em dia de um modo geral, só está inclinado a dar se ele receber. O que acontece então é ‘Eu te respeito porque você é bom no que faz. Eu te respeito porque você é honesto comigo. Eu te respeito porque você está me fazendo um jogador melhor e eu posso ver isso’, mas ninguém mais te respeita por você ser simplesmente o técnico, no mesmo principio de que ‘Eu te respeito porque você é a polícia’.”
E por causa dessa troca franca, mas inegociável do treinador, que muitos dos seus ex-pupilos – quase todos – normalmente rasgam elogios e louvores ao português. Há casos como o de Iker Casillas e Sergio Ramos, ambos do Real Madrid, onde Mourinho esteve por três temporadas e com os quais teve desentendimentos, além de supostos conflitos com Pepe e Cristiano Ronaldo. Mas ao se comparar casos tão pontuais com o número de atletas que passaram pelo seu comando e ao refrão de elogios que o treinador recebe, não fica difícil acreditar em suas palavras quando ele declara que com poucos jogadores ele não conseguiu trabalhar bem.
“É impossível fazer todo e qualquer jogador ser melhor. Alguns eu não consigo melhorar e outros não podem ser melhorados. Mas se analisarmos jogador por jogador (que já treinei) e (contabilizarmos) quantos deles tiveram os melhores momentos das suas carreiras trabalhando comigo, o número será enorme. Claro que há alguns em que não houve uma boa química, porque as personalidades não batiam ou porque eu não gostava de trabalhar com eles, mas essa porcentagem é mínima.”
E por declarações assim, que não estão camufladas por falta modéstia, e que o promovem, Mourinho sempre faz com que a mídia cubra em detalhes as coisas que diz, pois o técnico raramente se recusa a falar o que pensa. Para ele essa exposição não é cansativa e segundo o jornalista que o entrevistou – Tim Lewis – o português de fato parece completamente alheio ao tipo de comentários que as suas palavras geram nos meios de comunicação e entre os colegas de trabalho de outros clubes. Mesmo com a vida no holofote, Mourinho garante que vive em paz.
“A vida às vezes é estressante, não em Londres. Em Madrid e em Milão era estressante, mas nada me fez perder o sono. Eu durmo sete, oito horas toda noite. Eu não posso comparar o meu trabalho ao de um cirurgião operando um coração. A diferença é que o resultado do meu trabalho é visto por milhões ao redor do mundo, enquanto que apenas a família de quem foi operado sabe o resultado do trabalho do cirurgião, mas a responsabilidade dele é muito maior que a minha. É por isso que às vezes eu sinto que nós ganhamos muito dinheiro em comparação com as pessoas que fazem muito mais do que nós para beneficiar a humanidade,” comentou o treinador.
Mourinho pode não perder noites de sono por causa do futebol, mas o comandante do Chelsea certamente passa a maior parte do seu tempo acordado focado no esporte, ou pelo menos é o que declarações como a de Zlatan Ibrahimovic em sua autobiografia reverenciou nos levam a concluir: “Ele trabalha duas vezes mais do que o resto (outros treinadores). Ele vive e respira futebol 24 horas por dia. Eu nunca encontrei um técnico com o nível de conhecimento que ele tem sobre os adversários. Ele sabe tudo, até mesmo o número da chuteira do terceiro goleiro,” declarou o sueco e Mourinho admite que se apega aos detalhes, mas que não é obcecado.
“Não é obsessivo. Eu penso que detalhes são importantes porque detalhes fazem jogadores melhorarem, fazem o time melhorar e te ajudam a vencer. Claro que há alguns poucos jogadores ao redor do mundo que são capazes de fazer sozinhos um time ser bem melhor do que de fato é. Mas, basicamente, futebol é sobre times e times são aperfeiçoados se você observa os detalhes. Não é uma obsessão, mas a minha experiência me provou que detalhes podem fazer a diferença.”
Mourinho falou ainda sobre muitas outras coisas, inclusive a vaidade dos jogadores, porque permite que seus comandados tenham Twitter, que tipo de jogador ele está procurando encontrar no mercado e no que eles devem ser parecidos com Frank Lampard e John Terry quando eram jovens. Esses e outros temas serão abordados na segunda parte da entrevista a ser publicada nos próximos dias.