Mourinho: ‘Antes os jogadores tentavam vencer, hoje querem ficar ricos’

Mourinho reflete sobre a nova geração de jogadores (Imagem: Esquire Magazine)
Mourinho reflete sobre a nova geração de jogadores (Imagem: Esquire Magazine)

Na primeira parte da entrevista à revista britânica Esquire, José Mourinho falou sobre como melhorou a maioria dos jogadores com quem trabalhou, da negociação com eles para obter o seu respeito e de como nada disso faz o seu trabalho estressante.

Mas mais do que o respeito e a excepcional produção que Mourinho consegue de seus comandados, ele tem o amor e admiração de muitos deles. Zlatan Ibrahimovic disse que Mourinho o fez sentir como um leão, mas Wesley Sneijder e Frank Lampard foram além. O holandês declarou no passado que ‘Eu estava preparado para morrer e matar por ele’ enquanto que o recordista de gols do Chelsea disse que ‘Ele é o treinador mais leal e amoroso com quem trabalhei. Eu posso ser suspeito para falar, pois eu amo esse cara, mas ele faz essas coisas instantaneamente, ele traz sucesso instantâneo’. Em outra ocasião o inglês revelou que quando sua mãe morreu em 2008, um ano após a saída de Mourinho do Chelsea, o treinador ligava para o ex-pupilo diariamente oferecendo-lhe consolo e tentando trazer algum conselho.

Para o treinador, o seu diferencial em relação a tantos outros técnicos é o lado psicológico. Mourinho credita a sua capacidade de melhorar seus jogadores à capacidade que tem de motivá-los e dizer as coisas que precisam ouvir. Ele conta em determinada ocasião disse para Ibrahimovic que ele deveria dar o prêmio de melhor jogador estrangeiro do campeonato italiano para a sua mãe, pois ela era ‘alguém que realmente o merecia’. Em outro momento, ainda na Inter, ele deu três dias de folga para Sneijder no meio da temporada, mas foi irredutível quanto ao que o jogador deveria fazer na folga: sentar na praia de Ibiza (uma das mais famosas da Europa, localizada na Espanha). Porém, nem todos os jogadores ouviram os conselhos de Mourinho. Um exemplo disso é o romeno Adrian Mutu, que estava no Chelsea quando o português chegou a Stamford Bridge em 2004. O jogador era conhecido por seu forte temperamento e se aproximando dele, o técnico disse que havia dois caminhos para ele: um – lutar em meio às dificuldades alcançar algo especial com o Chelsea, ou ficar satisfeito com o dinheiro que havia ganhado e com o status de rei que tinha na Romênia, mas em relação ao último ele adicionou: ‘Mas daqui a quatro anos, quando você deixar o futebol, ninguém se lembrará de vocês, pois apenas se fizer coisas grandes você fará história’. Alguns meses depois Mutu foi pego no antidoping, com positivo para cocaína e banido do esporte por sete meses. Perto de se aposentar, seus únicos títulos no currículo hoje são o campeonato e a copa romenos.

Mas o técnico não se limita a fazer uso da psicologia apenas com seus jogadores. Mais de uma vez foi reportado na mídia que ele conversa com as esposas e namoradas de seus jogadores e de uma maneira simpática e calma diz que eles só têm um trabalho: mantenham os seus homens – meus jogadores – sempre sorrindo. Já com os seus comandados ele é mais direto e admite que envia várias mensagens SMS para os jogadores perguntando como têm dormido, o que comeram, se estão felizes – sendo que a última ele pergunta com frequência.

É importante entender as coisas. Às vezes você tem um jogador que tem queda de produção e você não sabe por quê. Ele treina bem, não está machucado, tudo parece perfeito, mas ele não tem jogado bem. Por quê? Deve haver uma razão para isso, mas eles têm de confiar em você. Eu não sou a polícia, eu não os caço fora do clube, mesmo que o clube que eu trabalho seja adepto a seguir jogadores, eu não permito que eles sejam seguidos. Eles têm a vida deles e a sua privacidade,” pondera o treinador.

Mas o estilo sincero e direto de Mourinho não agrada a todos, tanto jogadores e outros treinadores, como também a própria mídia. Como raramente economiza nas palavras, Mourinho atrai atenção fora de campo e em suas entrevistas na mesma proporção que o faz ao montar os seus times campeões. Há muito que o consideram arrogante, gênio do jogo de palavras para desmoralizar adversários, conservador nas suas preferências táticas e defensivo nos seus esquemas. Mas Mourinho não se comove ou se abala com a opinião alheia em relação a qualquer uma das suas ações. Nem mesmo sobre moda. Como o tema é um dos mais tratados na revista, o entrevistador não poderia deixar de abordar. O português era conhecido pelo seu famoso sobretudo cinza e enquanto morou em uma das capitais da moda mundial – Milão – enquanto comandava a Inter, o treinador também desfilava na área técnica com ternos e casacos de marca como Armani e Versace. Desde que voltou a Stamford Bridge no começo dessa temporada, até as roupas do Special One estão mais modestas, mas para ele é simplesmente por uma questão de conforto.

Eu visto roupas que me façam me sentir bem, não que fiquem bem. Às vezes eu uso uma jaqueta esporte, às vezes eu uso terno e gravata, mas depende das circunstâncias. De qualquer forma eu não estou preocupado em parecer ‘fashion’ ou estar bem vestido, ou coisas do tipo, o que importa é me sentir bem. Muitas vezes, enquanto eu estava no Real Madrid, o árbitro ficava no túnel esperando os meus jogadores, pois eles faziam fila de frente ao espelho antes do jogo começar. Mas é assim que a sociedade se comporta hoje em dia. Os jovens se importam muito com esse tipo de coisa. Eles tem vinte e poucos anos e eu tenho 51 e se eu quiser trabalhar com garotos eu tenho de entender como  o mundo deles funciona. Como eu poderia pedir que meus jogadores não usem… como vocês chamam?… Twitters dentro do ônibus? Como eu posso pará-los se o meu filho e minha filha fazem a mesma coisa? Eu tenho de me adaptar a essas coisas,” falou o treinador de maneira sóbria, mas ele não falou apenas sobre os hábitos dos jogadores quanto às redes sociais e sua aparência. Para Mourinho no começo dos anos 2000 os jogadores pensavam mais nas glórias dentro de campo do que no dinheiro, mas que agora é o inverso.

Eu trabalho como técnico desde 2000, então estou na minha segunda geração de jogadores. O que eu sinto é que antes os jogadores tentavam ganhar dinheiro durante as suas carreiras, para que ao fim delas fossem ricos. Mas atualmente, as pessoas que os cercam querem tentar enriquecê-los antes mesmo que eles comecem suas carreiras. Eles tentam fazê-los ricos quando eles assinam o primeiro contrato, antes mesmo de terem sequer jogado uma partida pela Premier League, quando eles sequer sabem o que é jogar uma Champions League e isso às vezes dificulta muito as coisas para os clubes. Então você tem de achar o garoto certo: aquele que quer ter sucesso e que tem orgulho e paixão pelo esporte. O sonho dele não é ganhar um milhão a mais ou a menos, mas ele sonha em jogar em alto nível e conquistar títulos porque se ele fizer essas coisas ele será rico da mesma forma ao fim da sua carreira. Nós estamos trabalho bem firme com os nossos jogadores para dar a eles a melhor orientação que pudermos, para seguir exemplos de jogadores da geração anterior – os Lampards e Terrys – que eram fissurados por vencer.

E falando sobre dois dos veteranos que seguiram no clube desde a sua partida em 2007, Mourinho salientou a importância do capitão e do maior artilheiro da historia do clube e do trabalho que fez com os dois, mesmo na renovação do elenco. “Terry e Lampard são muito, muito importantes. Era muito importante para mim que eu conseguisse recuperá-los. Agora é a hora de comprar e vender jogadores, rever empréstimos (a entrevista foi realizada durante a janela de janeiro). Assim, mesmo quando eu não estou no escritório, eu estou trabalhando no telefone,” falou o treinador e no dia seguinte começaram as histórias sobre a transferência de Juan Mata ao Manchester United, que de fato foi consumada durante o período de reforço dos times.

O que impressiona alguns – e causa desdenho de outros – é o fato de que a carreira de Mourinho como jogador foi curta e medíocre, enquanto jogou como zagueiro em clubes da segunda e terceira divisão de Portugal, sendo a sua experiência mais expressiva, a posição de reserva no Rio Ave, enquanto seu pai era treinador. Mourinho conta que em uma ocasião o zagueiro titular do time se machucou durante uma partida e quando o seu pai o chamou para colocá-lo na partida, vieram mensagens do presidente do clube que estava no estádio que se o Sr. Felix (pai de Mourinho) o colocasse no time, não apenas essa seria sua última partida na equipe, como seu pai seria demitido do cargo de treinador. Assim pai e filho assistiram do banco enquanto o seu time foi goleado pelo Sporting por 7×1. O treinador conta que foi ali que decidiu que nunca mais seria humilhado daquela forma. Então Mourinho entrou na faculdade no curso de administração, mas após apenas um dia se transferiu para o curso de ciência do esporte, antes de começar sua carreira como técnico de futebol. Perguntado se ele guarda alguma frustração por não ter sido um jogador de ponta, Mourinho garante que é completamente realizado profissionalmente.

Se as pessoas acham que porque eu não fui um jogador top que eu sou frustrado, (se enganam) porque eu não sou. Eu me diverti jogando futebol, mesmo na segunda e na terceira divisão. Desde o começo da minha carreira, eu sempre me senti mais um treinador do que um jogador, então quando eu terminei a faculdade e os meus certificados de treinador, eu naturamente entrei de cabeça na profissão. Eu fiz na minha vida o que sempre quis ser,” garante o técnico que começou como tradutor de Bobby Robson no Sporting e que se transferiu com o comandante para o Porto e posteriormente para o Barcelona, atuando como assistente técnico. Quando Robson saiu do Barcelona e foi para o PSV Eindhoven, Mourinho permaneceu no clube catalão, onde se tornou assistente de Louis van Gaal. Nesse período, Mourinho admite que mantinha um diário de bordo – que ele chamava de Bíblia, onde ele fazia anotações para aperfeiçoar a sua metodologia. E de pupilo para mestre, alguns dos assistentes que trabalharam ao lado de Mourinho posteriormente decidiram voar com as próprias asas em seus voos solos, como André Villas-Boas e Brendan Rodgers – sendo que esse último recentemente declarou: “Trabalhar debaixo de Mourinho por três anos no Chelsea (como assistente) foi o equivalente de ir para a Universidade de Harvard.

Por fim, Mourinho garante que mesmo correndo riscos de não repetir o sucesso de sua primeira passagem pelos Blues, não se arrepende da escolha.

Eu não preciso encontrar escapes para o futebol. Basta que nas férias eu passe duas semanas de férias com minha família na praia. Isso é suficiente para mim. Quando eu decidi voltar ao Chelsea eu estava correndo o risco de que as coisas dessem errado, mas eu não tenho medo, pois confio em mim mesmo e sei que posso repetir o que fiz aqui. Eu não tenho medo de perder o meu emprego e quando você não tem medo você não sente a pressão. Você não está muito preocupado, então consegue se expressar de uma maneira diferente. Acho que isso te faz alguém melhor,” concluiu o emblemático treinador.

Category: Chelsea Football Club

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Article by: Chelsea Brasil

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